Arquidiocese de Braga -

23 abril 2016

Quinto Domingo de Páscoa (Ano C)

Fotografia FPWing

Carlos Nuno Salgado Vaz

Mandamento radicalmente novo: «que vos ameis uns outros como eu vos amei».

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Em pleno tempo pascal já não temos mais relatos evangélicos sobre a ressurreição do Senhor. Somos alimentados com outras passagens que, por seu turno, recebem plenitude de luz se vistas e iluminadas pela Ressurreição. Aplicando uma frase cara ao papa Francisco, podíamos dizer que o tempo é superior ao espaço, ou seja, o espaço ocupado pelas narrativas da Ressurreição é diminuto, embora o essencial, mas o tempo kairótico, isto é, o tempo da intervenção de Deus na história por meio de Jesus Cristo com a sua morte e ressurreição é um tempo sem tempo que projeta luz para o tempo medido cronologicamente. A vida pública de Jesus durou apenas três anos e passou-se num espaço geográfico circunscrito e limitado. Mas a crucifixão-ressurreição do Senhor constituirá a sua glorificação. Ela projeta luz sobre os acontecimentos relatados no excerto deste domingo, situado aliás no cenário da última ceia de Jesus com os discípulos. Exatamente depois de Judas ter saído do cenáculo para se adentrar na noite. Para ele tinha chegado a hora de entregar o seu mestre nas mãos dos sacerdotes de Jerusalém. Para Jesus, aquela saída do discípulo traidor marcava a chegada da sua glorificação. Jesus tinha previsto este momento e tinha-o anunciado aos seus seguidores. Mas eles nunca tinham suspeitado que a glorificação coincidisse com a crucifixão. Nós sabemos que sim, embora nos assedie a tentação de uma glorificação sem cruz. Essa cruz bendita, que Jesus nos deixa como testamento de grande ternura, pois nos chama «filhinhos» – a única vez em toda a escritura – é a cruz do amor incondicional aos outros.

A medida do amor é Jesus Cristo

A medida do amor não somos nós, mas é Cristo com a sua entrega amorosa na Cruz e a sua Ressurreição. É o mandamento radicalmente novo: «que vos ameis uns outros como eu vos amei». Pressente-se que a comunidade de João estava ameaçada de desintegração, quer pela perseguição que lhe moviam, quer pelo perigo de dissidência interna pela heresia dos que duvidavam que Jesus fosse realmente o Messias, o Filho de Deus. A novidade do mandamento consiste em que o amor deve ser realizado ao estilo de Jesus, que entrega a sua vida pelos amigos. Além disso, o amor comunitário serve para distinguir os que são realmente discípulos de Cristo dos que estão fora.

Era habitual que cada um se tomasse como medida do amor aos outros: «amar os outros como a nós mesmos», na versão bíblica da chamada regra de ouro de todas as religiões. Mas não pode ser assim com os discípulos de Jesus: devem distinguir-se pelo amor mútuo à maneira de Jesus. Mesmo que os outros não correspondam ao nosso amor, nós devemos amar sempre como Jesus.

Na Alegria do Amor, número 94, o papa Francisco, comentando a famosa passagem da Carta aos Coríntios sobre o amor, escreve: «No conjunto do texto, vê-se que Paulo quer insistir que o amor não é apenas um sentimento, mas deve ser entendido no sentido que o verbo 'amar' tem em hebraico: 'fazer o bem'. Como dizia Santo Inácio de Loiola, 'o amor deve ser colocado mais nas obras do que nas palavras'». Também Bento XVI, na 'Deus Caritas est' quis resgatar a desgastada palavra 'amor', fazendo-lhe recuperar a sua beleza e fecundidade original. Diz ele: «A palavra amor (rahanin em hebraico) significa seio materno. Trata-se de um amor que se agarra ás entranhas. A ousadia do cristianismo ao definir Deus como 'amor' determina também a compreensão da forma de vida cristã incarnada no amor. Ou seja: «o ser humano necessita do amor como do ar que respira». Por isso mesmo o cristianismo acolhe essa expressão humana e reconhece-a como imagem de Deus em nós». O coração que ama é uma brasa de incenso a Deus.

Atos dos Apóstolos e Apocalipse

A primeira leitura está ambientada em Listra, colónia romana e terra mãe de Timóteo. Paulo e Barnabé tinham curado um homem coxo. Ao ver o portento, as pessoas quiseram adorá-los como deuses. Eles recusaram com toda a veemência, proclamando que eram apenas homens como todos os outros. Saíram a anunciar o evangelho em Icónio, a Pisídia, a Panfília, Perga ate Atalia. De lá embarcaram para Antioquia da Síria, de onde tinham partido e a cujos irmãos reunidos contaram tudo o que Deus fizera com eles e como, sobretudo, os gentios se tinham aberto à fé que eles anunciavam.

No Apocalipse, corrobora-se a persistência dos cristãos perseguidos, falando-se do novo céu e da nova terra que Deus tem preparado para os que nele confiam e não desistem de anunciar a Boa Nova. «Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; nunca mais haverá morte, nem luto, nem gemidos, nem dor, porque o mundo antigo – o mundo terreno das nossas fadigas, canseiras, incompreensões e perseguições – desapareceu». Disse Aquele que estava sentado no trono: 'Vou renovar todas as coisas».

Sabemos que o fermento da renovação cristã é o amor à maneira e ao modo de Jesus. É esta a essência do testamento que nos deixa como a filhos muito queridos. Por isso nos trata como 'filhinhos'.