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5 Dez 2018
Não tinham o que comer
Homilia na Solenidade de S. Frutuoso, S. Martinho de Dume e S. Geraldo
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  © Município de Braga | Capela de S. Geraldo

O Evangelho neste dia da memória de S. Geraldo, não deixa a ninguém indiferente. Um relato que tem tanto de comovente quanto de dramático. 

Uma multidão de gente desesperada pelos seus males físicos – coxos, aleijados, cegos e mudos – procura Jesus na expectativa de que fosse curada. Certamente fizeram-se acompanhar de outras pessoas que os ajudassem a percorrer caminhos desconhecidos por tempos indeterminados. Um autêntico mergulho no escuro à procura de um pouco de esperança. Nesta aventura, acabam por quase se esquecerem de si mesmos ao ponto de não levarem comida para o caminho. Eis então que acontece o segundo drama. Jesus e os seus discípulos têm diante de si uma multidão a desfalecer de fome e, uma vez mais, sem saberem o que fazer.

Em ambas as situações, Jesus enfrenta com coragem os problemas e não se esquiva a encontrar soluções. Curou-os a todos, para espanto de muitos, e deu de comer e de beber a quem necessitava. Particularmente interessante é notar que, não obstante Jesus poder tê-lo feito sozinho, socorreu-se dos seus companheiros para encontrar soluções. Este é o espírito dos Homens grandes. Sabem partilhar o que têm mas também sabem incluir as pessoas na procura de soluções.

Creio que este é um texto eloquente para a situação que hoje vivemos. São muitos, talvez demasiados, os problemas de ordem social e humana para que as pessoas e instituições não se unam pelo bem comum. Ainda no fim-de-semana passado tivemos um bonito testemunho desta realidade. Milhares de voluntários uniram-se para recolherem alimentos nas superfícies comerciais em favor do Banco Alimentar Contra a Fome. Admito que esta seja uma realidade que causa estranheza a muita gente e talvez seja até uma verdade inconveniente: ainda existe fome no nosso país. Relembro, de muito particular, os sem-abrigo sem uma refeição quente ou até os idosos reformados cuja parca reforma os coloca no dilema de escolher entre a medicação e a alimentação. Mas recordo ainda, com grande preocupação, os muitos jovens que lutam pela estabilidade laborar, a independência familiar e a ginástica financeira a que são obrigados por causa de um incompreensível aumento do custo de vida nos últimos anos. Como podemos pedir aos jovens que sonhem e arrisquem se, ao mesmo tempo, lhes são retiradas todas as redes de protecção na fase da vida em que têm maior necessidade?

A realidade dos nossos dias deve levar-nos a um sério exame de consciência. Precisamos de parar, avaliar e agir em conformidade… a começar pela própria Igreja. A Arquidiocese de Braga propôs, por isso, a todas as suas comunidades que aproveitem esta quadra de Advento e Natal para crescerem na arte de Avaliar. Não temos grandes recursos para tantas solicitações, sejam elas de ordem espiritual ou material, e neste sentido é necessário avaliar com ponderação o que temos vindo a fazer e, sobretudo, o que podemos fazer de melhor. Um agir irreflectido desgasta energias e, a médio prazo, não dá frutos. Procuramos dar o melhor de nós e, sem dúvida, o melhor que temos são as pessoas, o seu tempo, a sua criatividade e dedicação.

Teremos de trabalhar com maior qualidade pela dignificação da vida de todas as pessoas. Devemos fazê-lo individualmente e através das nossas instituições. Nestas quero louvar o trabalho dos voluntários. Este grande número de gente tão dedicada é o nosso património e do qual nos orgulhamos todos os dias. Gente disposta a atender às necessidades das pessoas, a partilharem aquilo que têm, a colocarem a render os seus talentos. Vivem constante sob a recomendação deixada pelo apóstolo Paulo à comunidade de Corínto: “Veja cada um como edifica” (1Cor 3, 10). Olhando para si, para o seu compromisso com a Igreja e com a sociedade, procuram exceder-se e colocar o bem comum à frente dos próprios interesses. Mas também aqui, há uma certa altura na vida em que temos de nos questionar com frontalidade: o que me move? Será o interesse pessoal, a vanglória, o reconhecimento público ou, pelo contrário, o bem das pessoas? 

Neste dever de construirmos a cidade como espaço onde a todos é garantido o indispensável para viver, recordo, nesta quadra de Advento e Natal, o trabalho das IPSS, na maioria da erecção canónica, mas também civis. Estão a desempenhar um papel insubstituível para garantir a qualidade de vida de tantos portugueses. O que aconteceria se deixassem de funcionar? Acontece que o seu presente e futuro está a ser dramático. As exigências multiplicam-se e criam muitas dificuldades. As fiscalizações acontecem permanentemente. Só que a comparticipação do Estado continua a ser absolutamente insuficiente. Basta fazer contas muito simples. Quem usufrui dos seus serviços recebe uma reforma diminuta. Os benfeitores são poucos. Fala-se em fechar as portas. Quem sofrerá são os pobres e os idosos, as pessoas sem meios para viver.

Falava antes da avaliação. Não ser ser um exclusivo da Igreja. Também as entidades com maior responsabilidade, devem também questionar-se, avaliar e agir em conformidade. Esta é uma exigência e uma legítima expectativa de todos os cidadãos. São muitos os casos de pobreza, fome, debilidade e sofrimento. São muitas as multidões que procuram esperança, um presente seguro e um futuro próspero. Sabemos, ao mesmo tempo, que as imensas solicitações que chegam todos os dias podem ser avassaladoras. A Arquidiocese quer colaborar com todos, quer ser um parceiro respeitável e de confiança para devolver a esperança a quem tanto anseia.

A Igreja em Braga é detentora já de uma história quase bimilenar. Muitos cristãos e arcebispos nos precederam. Muitos outros virão depois de nós. Respeitamos a nossa história e sentimos a responsabilidade de honrar o esforço e a ousadia dos grandes arcebispos, das comunidades, de tantos cristãos anónimos e benfeitores. S. Frutuoso, S. Martinho de Dume, S. Geraldo e Beato Bartolomeu dos Mártires são apenas alguns exemplos do tanto que a Igreja fez pela cidade e pelos cidadãos. Mas queremos construir, em conjunto, muito mais. Talvez seja, por isso, chegado o tempo de avaliar com isenção as necessidades das pessoas, as prioridades e quais os caminhos a seguir em conjunto. Caminhos que respeitem a identidade, a história e as competências de cada instituição. Mas, ao mesmo tempo, creio ser importante avaliar e identificar os obstáculos e entropias que, por motivações incompreensíveis, são colocadas a quem trabalho pelo povo mais humilde e pobre, comprometendo a insubstituível missão de dar vida digna a todos.

Regresso ao início deste Evangelho. São muitas as pessoas desesperadas e indefesas que percorrem longos quilómetros à procura de cura, libertação, de um futuro melhor e de esperança. Sermos continuadores da missão de Jesus e dos seus discípulos é o desafio que nos é deixado a todos nós. O caminho é longo mas sabemos que S. Frutuoso, S. Martinho de Dume, S. Geraldo e Beato Bartolomeu dos Mártires estarão sempre a amparar-nos e a inspirar-nos. A eles confio esta missão e as nossas intenções.

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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