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Pe. Fonseca Kwiriwi | 7 Out 2021
Cabo Delgado em chamas, mas com sinais de esperança
Versão integral do artigo do Pe. Fonseca Kwiriwi, Missionário da Congregação da Paixão de Jesus Cristo, Passionistas, a trabalhar na diocese de Pemba, Cabo Delgado, Moçambique, na edição de 7 de Outubro de 2021 do Igreja Viva.
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  © DR

Hoje, quando se fala de Moçambique é imperativo mencionar a província de Cabo Delgado, situada no norte do país. É um paradoxo e puro dualismo: muita riqueza e muita pobreza, ou melhor, miséria nas mesmas circunstâncias. O bem e o mal estão a exibir sua condição de amigos inseparáveis, porém, somente neste contexto de Cabo Delgado. O que seria bênção, parece ser maldição. Contudo, não se pode culpar a Deus porque Ele ao criar, “viu que tudo era bom”. O projecto mais sonhado e esperado, hoje está sendo um pesadelo. Será que os ataques terroristas são motivados pela riqueza que a província possui? E se não são as riquezas o motivo dessa guerra, quais são as razões? Explanamos primeiro os dois motivos pelos quais dificilmente se evita falar sobre Cabo Delgado.

O primeiro motivo de não evitar citar o nome de Cabo Delgado é o que deveria ser a razão de alegria: a descoberta do gás natural e petróleo, e consequente investimento, sendo um dos maiores empreendimentos da África no ramo de gás. O segundo motivo é o que se vive desde 5 de Outubro de 2017, a data que jamais será esquecida. Foi nesse dia quando a vila de Mocímboa da Praia, norte da província de Cabo Delgado, sofreu o primeiro ataque dando início a guerra que dura há aproximadamente quatro anos. 

Inicialmente, o governo de Moçambique não foi claro ao tratar o assunto dos ataques. O grupo terrorista recebeu muitos nomes começando por insurgentes, malfeitores e hoje tem definição que eles são terroristas denominados por Al shabab (os jovens na língua árabe, mas da realidade de Moçambique). 

Os insurgentes estenderam os ataques em oito distritos de Cabo Delgado: Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe, Nangade, Quissanga, Ibo, Meluco e Palma. Destruíram aldeias, infra-estruturas do Estado, da população, de comerciantes e da Igreja. Estima-se que a guerra tenha provocado mais de três mil mortos e 850 mil deslocados.

1. Danos provocados pela guerra

A diocese de Pemba sempre esteve na dianteira no que concerne às actividades de ajuda humanitária junto com seus parceiros, por exemplo, alguns organismos das ou ligados a Organização das Nações Unidas. Para dar suporte, a diocese criou um fundo de emergência que permite a acção imediata, uma experiência iniciada desde o ciclone Kenneth até os avanços dos ataques terroristas. 

O primeiro dano constado é a pessoa humana: cerca de três mil mortos e mais de 850 mil deslocados. O segundo dano é a dimensão psicológica e a seguir, por sinal visível, são as infra-estruturas do Estado, da Igreja e da população. Tem havido relato de rapto de crianças e adolescentes para serem usados na guerra e as meninas forçadas a serem esposas. O testemunho de muitas mulheres sobreviventes indica que os insurgentes aterrorizam as pessoas não simplesmente por matarem mas por decapitarem na frente dos familiares. Esse fenómeno de decapitação provocou muitos traumas nas pessoas, principalmente as crianças e mulheres. 

A decisão da Igreja para acompanhar as vítimas não está limitada em dar assistência alimentar e abrigo, mas fundamentalmente no acompanhamento psicossocial: espaço de escuta e partilha da situação vivida na guerra. 

A diocese de Pemba está bastante envolvida no trabalho de apoio psicossocial. Foram criadas equipas que se encontram junto com os deslocados embora não seja fácil porque os traumas dos deslocados são profundos e a diversidade cultural interfere na hora de partilha e escuta dos problemas vividos por cada vítima. Ou seja, nem sempre as pessoas se abrem facilmente para serem ouvidas e atendidas. A diocese não tem grande capacidade material para resolver tudo, estar em todos os centros e não pretende ser dona das soluções, porém tem feito um grande trabalho, sendo pioneira no atendimento psicossocial. Dos oito distritos atacados, a diocese tem presença missionária. Por isso sofreu na pele os efeitos da guerra. Neste momento conta com duas grandes destruições: Igreja paroquial de Mocimboa da Praia e a Missão de Nangololo. 

Algumas casas religiosas destruídas são a da Missão de Nangololo, de Awassi, de Mocimboa da Praia e, outras foram vandalizadas como as de Palma.

2. Situação actual na província de Cabo Delgado

A província é repleta de militares moçambicanos, ruandeses e recentemente chegaram os da SADAC (Comunidade Económica da África Austral), cada parte formando seu único quartel. O governo veio ao público explicar que na linha do combate as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique irão coordenar as actividades. Entretanto, há muitas críticas devido ao chamado “negócio de Kagame”, a vinda dos militares ruandeses que não teve nenhum debate no Parlamento Moçambicano.

Cabo Delgado continua com sinal de guerra: abandono, muitas vilas e aldeias invadidas pelo capim, nas ruas e as casas, verificam-se muitos corvos, macacos e alguns cães que gozam sua liberdade como se fossem os donos da casa. Questionando sobre a situação de segurança, o governo afirma com cautela que a província está livre de terroristas, as operações combativas estão tendo sucesso, mas deve haver cuidado porque é possível que haja alguns terroristas e esconderijos ainda a serem desactivados. 

3. Infra-estruturas da diocese de Pemba destruídas

Com a chamada “libertação” da vila de Mocimboa da Praia, o epicentro dos ataques, abriu-se espaço para os civis com destaque, os empresários, pudessem visitar não só em Moçambique mas também outros locais livres do terrorismo. 

Nas aldeias que ficam ao longo da estrada de Mocímboa a Mbau, verifica-se um silêncio enorme, sinais de destruição das casas e na aldeia de Nakitengue está posicionada uma equipa militar dos ruandeses. Em Mbau, uma das bases dos terroristas, o cenário não é diferente. Há um silêncio terrível e somente os militares ruandeses estão a controlar o novo local liberto dos terroristas.

Em visita a Palma, constatamos que a Igreja e as casas dos missionários não sofreram danos maiores. Na Igreja paroquial São Bento, recolheram alguns bens e queimaram dentro da igreja. Para a Glória de Deus não tocaram o sacrário. Desde dia 24 de Março de 2021, quando a vila foi atacada até dia 07 de Setembro de 2021, com Igreja aberta, algumas coisas queimadas, o Tabernáculo com o Santíssimo dentro e chave por fora, constatamos que ninguém profanou. Deus cuidou do nosso Bem Maior, Jesus Cristo na Eucaristia.

Portanto, os edifícios da diocese, Igreja, casas paroquiais não foram destruídas mas todos os bens foram roubados. 

4. Sinais de esperança e perspectivas para um futuro breve

Nos últimos dois meses, a situação de guerra tende melhorar nos chamados teatros operacionais de Cabo Delgado. Os distritos mais castigados pela guerra: Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe, Palma e Quissanga foram declarados “zonas libertadas” embora haja focos não identificados de insurgentes. 

A questão de segurança, em geral, está abrindo-se novos tempos. Todavia, pela natureza do terrorismo não se deve criar expectativas falsas que a província está totalmente segura. Ainda precisa de paciência e trabalho árduo para que o povo volte à sua proveniência.

O governo está a envidar esforços para o restabelecimento da segurança e tranquilidade pesa embora haja resistência dos terroristas. A população que experimentou a guerra não confia as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique alegando maus tratos. 

A maioria dos deslocados encontra refúgio na cidade de Pemba, na região sul de Cabo Delgado e as províncias de Nampula, Niassa e Zambézia. Não obstante ao bom acolhimento, os deslocados preferem voltar às suas terras. Por isso esperam ansiosamente e exigem que o governo resolva rapidamente o problema da guerra na província. 

A cidade de Pemba que chegou a receber cerca de 350 mil deslocados, hoje, esse número reduziu consideravelmente. O governo enviou quase todos os deslocados aos centros de reassentamento nos distritos de Metuge, Mecufi, Ancuabe, Montepuez e Chiúre em Cabo Delgado e no distrito de Meconta, na província de Nampula. 

5. A acção da Cáritas diocesana de Pemba

A Cáritas diocesana de Pemba, organismo da Igreja Católica tem sido uma instituição de referências na solução de problemas que assolam a província de Cabo Delgado. No ano de 2019, em plena guerra do terrorismo, a província sofreu do ciclone Kenneth que destruiu várias infra-estruturas. Com ajuda de vários parceiros, a Cáritas de Pemba construiu centenas de casas para alguns deslocados de guerra que se encontram em Mecufi, Montepuez e Chiúre.

Considerações finais

Na província de Cabo Delgado, território da diocese de Pemba, a segurança ainda é um sonho a ser realizado. Os militares continuam a perseguir os terroristas. Alguns focos dos autoproclamados Al shabab continuam em algumas aldeias e florestas. Depois da ocupação dos militares de Moçambique e Ruanda na vila de Mocímboa da Praia, em Awassi e em Mbau, nas bases chamadas Siri 1 e Siri 2 situados em Mucojo e Quiterajo no distrito de Macomia, existe um medo dos malfeitores surgirem qualquer aldeia, vila ou mesmo na cidade de Pemba.

Em suma, a guerra ainda continua a castigar a província de Cabo Delgado. No entanto, há sinais de esperança pois há avanço dos militares no combate ao terrorismo. Deve haver intervenção imediata na ajuda humanitária aos sobreviventes da guerra, principalmente os idosos e pessoas de necessidades especiais resgatados das mãos dos terroristas.

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Palavras-Chave:
Cabo Delgado  •  Pemba  •  Moçambique
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