Arquidiocese de Braga -

21 novembro 2020

Viver intensamente a caridade

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Discurso no Conselho Pastoral Arquidiocesano

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Estamos a viver um tempo de terríveis desafios. Situam-se no domínio sanitário, com tantas dúvidas e temores, no mundo da economia, com dificuldades de subsistência para muitas pessoas e famílias, e no enquadramento social, com tantos enigmas a impedir uma vida serena e tranquila.

A Igreja não foge ao que está a acontecer na sociedade. São inúmeras as dificuldades para o funcionamento da catequese e acções formativas. As celebrações litúrgicas, e particularmente sacramentais, ressentem-se com tantas restrições e confinamentos. A preocupação com os mais vulneráveis e débeis acentua-se pela dificuldade em responder a tantos pedidos e necessidades. Como consequência, a Igreja sente-se abalada com grandes interrogações quanto ao seu agir pastoral. Sabemos, à partida, que nada ficará na mesma. Não sabemos, porém, como delinear o futuro e viver responsavelmente o presente. O amor salvador de Cristo não espera e é nas encruzilhadas existenciais que se deve sentir a presença materna de uma Igreja que não se resigna a assistir aos acontecimentos mas que quer ser presença de Cristo na história.

No meio de muitas possíveis respostas a dar, a Arquidiocese de Braga tem um Programa Pastoral providencial. Foi preparado, no desígnio da Providência Divina, para esta hora. Importa, por isso, como nos anos transactos, mas com maior convicção, assumir as suas coordenadas, objectivos e finalidades. Deixo estas palavras, em primeiro lugar, aos membros do Conselho Pastoral. Gostaria que a fizessem chegar a tantos quantos trabalham nesta Arquidiocese. Dirijo-a, também, aos dirigentes de todos os Movimentos, Departamentos e Secretariados, a todos os membros das Comunidades Religiosas, Irmandades e Misericórdias.

Estamos a trabalhar para dar consistência a uma Igreja Sinodal. Sabemos que isto se refere à necessidade de caminharmos todos juntos e de decidirmos juntos os caminhos a percorrer. Peço-vos, encarecidamente, que, por vosso intermédio, esta mensagem chegue a todos os membros da vossa comunidade, movimento ou serviço eclesial. Isto é ser Igreja sinodal.

1. Muitas orientações irão passar por este Conselho pastoral. Antecipo-me a tudo o que poderá ser dito para recordar o objectivo geral do nosso Programa Pastoral. (E como era bom que os nossos cristãos o conhecessem na sua globalidade. Existe nos Serviços Centrais. Basta procurar. Não editamos para deitar fora). Diz assim: “Viver intensamente a caridade para oferecer um rosto sinodal e samaritano à Igreja, que se faz próxima para cuidar e acompanhar como Jesus Cristo, bom Samaritano”. Não precisamos de dar muitas explicações. Tudo é muito intuitivo e interpelativo.

Queremos uma Igreja Sinodal e Samaritana e, para isso, teremos de “viver intensamente a caridade”. Era este viver intensamente a caridade que gostaria de inculcar. Tem dois campos de incarnação. Antes de mais, as comunidades devem ser este espaço onde a caridade se vive. Falamos muito de comunidade mas corremos imediatamente para uma ministerialidade de serviços, que é necessária. Pensamos que a comunidade consiste em fazer coisas e esmeramo-nos para que tudo decorra com perfeição. Não podemos desconsiderar este pormenor onde temos trabalhado imenso e bem.

Teremos, porém, de regressar ao interior e mostrar que antes de fazermos coisas juntos teremos de ser um só coração e uma só alma. A caridade tem de estar antes de tudo, como diz S. Paulo, e também não consiste só em fazer coisas pelos outros. As relações entre nós terão de ser expressão de um amor, talvez silencioso mas sempre presente. Necessitamos de não ter vergonha de dizer que nos queremos bem e nos amamos com todos os sinais que o amor pode exigir. A ternura oferecida nos pequenos gestos que a fantasia da caridade sugere, o silêncio vizinho perante alguém que sofre, a palavra serena de ajuda e compreensão, são expressões de um amor que deve ser universal, que pretende amar em primeiro lugar, capaz de perder ideias em favor dos outros, sempre disposto a perdoar e a esquecer.

Falamos de família paroquial e eclesial mas as vidas nem sempre circulam. O amor cristão dá muito trabalho mas oferece muita consolação. São Paulo enumera muitos atributos para concluir que não somos cristãos se não amamos. Amar é fundamental, amar-se reciprocamente é o que diferencia os cristãos. Este amor cristão não nasce dos compêndios. A sua origem está em Deus que é amor. Por vezes queremos chegar depressa demais ao amar ao próximo. Nunca o conseguiremos interpretar genuinamente se não experimentarmos o amor de Deus muitas vezes indescritível mas com sinais fortes de consolação e festa. Jesus situa-se nos domínios da lei judaica que determinava que deveríamos amar os outros como a si mesmo. Isto é já muito significativo. Cristo vai mais longe e afirma que o discípulo é aquele que ama como Ele amou. É assim que nos devemos amar entre nós. Quando saboreamos o amor de Deus, descoberto em tantas coisas maravilhosas que a vida nos oferece, sabemos como teremos de concretizar entre nós o mandamento que é novo e diferente.

Precisamos, por isso, antes de tudo, de viver intensamente a caridade entre nós, mostrando que as paróquias não são um ficheiro com o nome das pessoas mas uma interligação de vidas marcadas pelo amor e testemunhando unidade. Não é de qualquer maneira, mas intensamente. Quando o fizermos verificaremos que a comunidade cristã, nas suas mais variadas expressões, é o antídoto para toda esta crise quer na vertente sanitária quer na socio-económica. Onde há amor há disposição para muita coisa e capacidade para ultrapassar todos os problemas. Este é o grande objectivo deste Programa Pastoral. Amemo-nos sem medos nem complexos. Mostremos que nos queremos bem e que pertencemos a uma comunidade de irmãos. A força para estar no sofrimento, na solidão, no isolamento, surgirá. O Papa Francisco recorda. “Encontramo-nos mais sozinhos do que nunca neste mundo massificado, que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência” (F.T. 12).

2. Depois, em perfeita ligação como expressão e visibilidade do amor de Deus experimentado na comunidade, esta terá de sair para cuidar da humanidade ferida. O Programa Pastoral recorda-nos, na lógica da parábola do Bom Samaritano, que a Igreja é a estalagem que cuida e acompanha.

Aqueles que estão dentro mas também aqueles que estão fora. Não coloquemos fronteiras ao amor. Precisamos de ser audazes e apostar numa profecia que vê os novos dramas da sociedade e procura dar-lhe resposta.

Há meses um grupo de crismandos ofereceu-me um quadro onde colocaram “Somos Igreja a viver e a conviver no mundo e para o mundo”. Os jovens têm razão e mostram-nos uma verdade de grandes dimensões. Somos Igreja a viver no mundo. Não nos bastam os espaços anexos às nossas Igrejas. No mundo convivemos, não no sentido de passatempo mas de experiência de uma vida com os outros. Todos são próximos mesmo que não vizinhos. A história é comum e, por isso, as comunidades têm um sentido único vivendo para o mundo. Sabemos como, no passado, a Igreja esteve na primeira linha de detectar os problemas e de ir encontrando respostas objectivas. Fê-lo pelas dioceses e paróquias mas também pelos movimentos e congregações religiosas. Precisamos, hoje, de voltar a evidenciar um profetismo de vanguarda capaz de individualizar tudo o que ofende a dignidade de todas as pessoas. Precisamos de uma opção pelos últimos, por aqueles que não têm voz e já se adaptaram a conviver com necessidades.

O dicionário da Acção Social da Igreja terá de ser actualizado, descrevendo os novos problemas e as novas formas de pobreza. Não nos podemos contentar com as respostas habituais e, muitas vezes, gastas. Exige-se criatividade inovadora. Esperamos sugestões para agir. A Arquidiocese e as paróquias podem sugerir mas, se queremos ser Igreja sinodal, não podemos estar sempre na expectativa. O Espírito Santo opera em todos não só para obedecer mas também para sugerir.

Corremos o risco de ser monótonos e repetitivos nas nossas respostas sociais por demissão das responsabilidades pessoais. Devemos encontrar modos de nos organizarmos para dar um rosto caritativo às nossas comunidades. Temos a Caritas, as Conferências Vicentinas, os grupos sócio-caritativos, o Fundo Arquidiocesano de Solidariedade “Fundo Partilhar com Esperança”. O que fazer para lhes dar vida nova? O que poderemos fazer para dar às comunidades um rosto verdadeiramente sinodal e comunitário?

3. Não está a ser fácil conviver com a pandemia. Teremos de nos ancorar no amor a viver, espontâneo e desinteressado, nas nossas comunidades para depois sairmos ao encontro de novos desafios. Deste modo, a pandemia poderá conduzir-nos ao essencial. Somos seguidores de Cristo que veio para salvar a Humanidade libertando-a de tudo quanto condicionava a sua felicidade. Ele passou a Sua vida fazendo o bem. Viveu o amor com os seus e caminhou pelas estradas socorrendo os descartados e a Humanidade ferida. Façamos com que a pandemia nos faça descobrir a força do amor. Aqui está o grande objectivo do programa que nos propusemos.

Obrigado por aquilo que somos no mundo. Ousemos acreditar que Deus nos está a pedir muito mais. A nossa tranquilidade encontra-se na comunidade que ajudamos a construir, com o muito ou pouco que temos e somos, com a generosidade dos bens materiais e com o calor e afectos de um amor que a todos une. Depois, procuremos descobrir os diferentes rostos de pobreza que existem mesmo ao nosso lado. Não podemos tolerar tanta desigualdade social e situações de indignidade de vida. O Estado tem obrigações. A Igreja Católica não estará a ser fiel ao projecto de Cristo se não chegar às obras que a caridade sugere.

Amemo-nos entre nós e amemos o mundo com os seus problemas e dramas. Da minha parte, declaro-vos um amor constante e persistente e espero que me ameis também, rezando por mim e trabalhando pelo amor de Cristo.


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