Arquidiocese de Braga -

8 maio 2016

A música ao serviço da fé

Fotografia DM

Homilia na Eucaristia no Centenário do P. Benjamim Salgado.

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Caros irmãos e irmãs, gostaria, antes de mais, de congratular-me pelo facto de podermos em conjunto –Arquidiocese de Braga, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Fundação Cupertino de Miranda e Casa de Seide – homenagear dois sacerdotes nascidos neste concelho. A Igreja de Braga recorda com saudade o talento e a mestria de quem colocou os seus dons ao serviço do bem comum. Mas também a sociedade civil recorda as marcas indeléveis de quem honrou a sua terra natal sem descurar um horizonte universal de actuação.

Queremos hoje recordar particularmente o P. Benjamim Salgado. Não enumero os inúmeros contributos que, como sacerdote, ofereceu à sociedade. Quero, apenas e só, acolher a sua vida como um testamento, um contributo inestimável para a transformação da sociedade pela via da música e da estética. Esta é uma revolução pacífica, silenciosa, perfeitamente ancorada numa matriz judaico- cristã, e que oferece uma plataforma sólida para a edificação de um humanismo integral.

Permitam-me que, partindo do legado do P. Benjamim Salgado, reflicta sobre duas realidades.

A música favorecer a fé. É já famosa a frase de Sto. Agostinho “quem canta reza duas vezes”. Mas mais interessante é reconhecer o quanto a música contribuiu para a conversão deste grande padre da Igreja. Sabemos que Sto. Agostinho visitou várias vezes a Catedral da Milão para, como simples curioso, escutar o canto dos salmos e dos hinos nas celebrações litúrgicas presididas por Sto. Ambrósio. Se é verdade que a fé nasce da escuta da Palavra de Deus, não é menos verdade que o canto e a música sacra conferem uma força comunicativa à Palavra de Deus que toca o coração de todo o ser humano. Mais tarde, Sto. Agostinho escreveu no livro das Confissões: “quando me lembro das minhas lágrimas, que derramei perante os cânticos da Igreja, nos primórdios da recuperação da minha fé, e quando mesmo agora me comovo, não com o canto, mas com as coisas que se cantam, quando são cantadas com uma voz clara e uma modulação perfeitamente adequada, reconheço de novo a grande utilidade desta prática” (Sto. Agostinho, Confissões, X).

O testemunho de Sto. Agostinho dá-nos uma chave de leitura para compreendermos a afirmação da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium: “o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene” (SC 112). É parte necessária e integrante não por meras razões estéticas mas porque, na verdade, coopera, através da beleza, para nutrir e exprimir o máximo potencial da fé e da Palavra de Deus. Reconheço, por isso, a urgência de valorizar a música sacra, o canto gregoriano e o uso dos órgãos de tubos. Este, ainda segundo a Sacrosanctum

Concilium, é o “instrumento musical tradicional cujo som é capaz de dar às cerimónias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito para Deus” (SC 120). Mas, ao mesmo tempo, é importante atender às crianças e jovens das nossas paróquias. Até este momento ainda não fomos capazes de compor músicas litúrgicas adequadas à sua sensibilidade e idade. Não será também esta uma razão pela qual muitos jovens ainda não experimentaram em plenitude a beleza e a força da eucaristia? No tempo do P. Benjamim Salgado e do Cón. Manuel Faria, eram os sacerdotes, quase exclusivamente, que trabalhavam a música litúrgica. Hoje temos outra compreensão e é de esperar que os sacerdotes continuem a investir neste cuidado com a música. Mas seria também de esperar que muitos leigos colocassem ao serviço das comunidades as suas competências e talentos musicais.

A música como instrumento de humanização. Disse certa vez Beethoven que “a música devia inflamar o coração do homem e trazer lágrimas aos olhos da mulher”. Com este pensamento queremos afirmar que a música é património mundial, uma linguagem universal capaz de unir a Humanidade, independentemente da sua raça, credo ou convicções. A música atinge o coração das pessoas e torna-as mais dóceis.

O Santo Padre tem afirmado com insistência que o nosso coração deve alimentar-se da misericórdia, ou seja, deve ser sensível e sentir compaixão – miseratio – pela vida que habita o coração – cordis – dos irmãos. A misericórdia impele-nos, por conseguinte, e à semelhança da voz que se projecta do nosso interior, a sairmos para as periferias. Não terá chegado a hora de, por exemplo, criarmos projectos inclusivos, alicerçados na música, para resgatarmos jovens de uma vida vazia e de companhias destrutivas? A música, se servir apenas para deleite próprio, não terá futuro. É necessário que ela ressoe no coração das pessoas e que promova, à semelhança de Sto. Agostinho, uma conversão de vida.

Se neste Ano da Misericórdia somos convidados a sair para um encontro com os dramas da sociedade, deveríamos ser capazes de não nos contentarmos com os serviços sociais ou caritativos ou, sejamos mais claros, que eles surjam como resultado de um encontro com Cristo na liturgia.
Precisamos de sair ao encontro das periferias. Mas não podemos abandonar os templos. Estes devem oferecer uma espiritualidade profunda onde a música ocupa um lugar insubstituível.

Que este Centenário desperte, na Arquidiocese, uma atenção mais responsável para a produção e interpretação da música litúrgica e que esta se alimente de uma verdadeira espiritualidade – por parte de compositores e grupos corais – para se comprometerem num trabalho transformador da sociedade.

  

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

 


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HML_10_2016.05.08_VNF_BenjamimSalgado.pdf