Arquidiocese de Braga -

17 julho 2016

Diaconia para hoje

Fotografia Avelino Lima

Homilia nas ordenações diaconais, no Sameiro.

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Antes da ordenação de diáconos, tivemos um sinal que pode mostrar um tempo novo para a Arquidiocese. Concretizando um protocolo com a Diocese de Pemba, enviamos um sacerdote e dois leigos. Queremos ser uma Igreja missionária com responsabilidades ad extra e compromissos reais aqui no nosso mundo dito católico.

Temos perdido muito tempo na interpretação desta passagem evangélica. Servimo-nos dela para privilegiar alguns cristãos e permitir uma menoridade cristã e eclesial a outros, apesar destes serem a maioria. O Papa Francisco recordava-nos que a porta que nos introduz na Igreja é o baptismo e que este confere a todos uma igual dignidade. Posteriormente é que nos integramos na vocação específica de sacerdotes ou leigos. Não é pelo facto de ser padre que sou bom. Pode haver muitos leigos que nos ultrapassam em qualidade. Jesus não quis fazer uma injustiça. A sua mensagem foi sempre integradora de todos, desde que tudo parta do essencial: deixar-se amar por Cristo e corresponder-Lhe entregando a vida, o tempo, as energias. Somos discípulos! E, consequentemente, somos missionários. A tarefa de Marta tem idêntico valor à de Maria, embora reconheçamos que para estar com Jesus no trabalho e na vida precisamos de tempo para estar com Ele na intimidade, na solidão, no encontro sereno e amigo. Não se trata de maior ou menor importância. Interessa que se parta sempre desta comunhão vital com Ele para que a vida pastoral tenha sabor e proporcione alegria. Quando não existe tempo para a oração, meditação e escuta da Palavra, até os melhores projectos estão condenados ao fracasso e a provocarem desalento.

Esta lógica vale para todos. Para vós, caríssimos diáconos, a iniciar a vossa integração no presbiterado, esta leitura deve ser uma graça a nunca esquecer. Em primeiro lugar deve estar sempre a intimidade com Cristo. Procurem-na com sinceridade e reservem tempo, não só para a liturgia, mas também para crescer na piedade e devoção pessoal. 

A falta de tempo para a oração está a ser o primeiro problema dos sacerdotes. É inútil encontrar razões para não ter tempo. Sem ela corremos atrás de moinhos de vento e actividade pastoral torna-se ineficaz e infecundas. Caríssimos, que a vossa vida parta de Cristo e que todo o resto aconteça com naturalidade.

S. Paulo recorda-nos, neste sentido, duas verdades que não podem ser esquecidas. Em primeiro lugar “Tornamo-nos ministros da Igreja para anunciar a palavra de Deus em plenitude”. Que quererá dizer tornar-se ministro? Será a lógica humana de um homem a quem cabe dirigir um conjunto de serviços e que procura o reconhecimento público pelo seu trabalho?

Na Igreja, ser ministro é ser diácono, aquele que serve. Com Cristo e por Cristo entregamos a nossa vida na castidade acolhida como graça para uma maior liberdade de entrega às causas humanas, na pobreza que se contenta com o indispensável para uma vida digna e não se deixa possuir pela avidez de ter coisas ou usufruir realidades humanas que, parecendo legítimas, nos distraem da missão, na obediência alegre e confiante, não só nos primeiros serviços solicitados, mas sempre. Não somos ordenados para atingir objectivos pessoais ou gastar a vida onde queremos e nos convém. “Sirvo desde que” ou “disponibilizo-me quando me compraz”. Este não é o estatuto do discípulo missionário. Como é fundamental o espírito de obediência nos tempos que correm!

São Paulo falava e orgulhava-se de ser ministro da Igreja. É este orgulho que enaltece a vida de um sacerdote. Não há uma carreira a seguir. Há um serviço a viver em qualquer lugar, durante toda a vida e na alegria da entrega incondicional. O serviço no Reino é aquilo que a Igreja quer e manifesta por intermédio dos superiores. Como é difícil aceitar esta palavra (superior) e disponibilizar-se para o que é sugerido, não por uma autoridade que castiga, mas por alguém pobre e igual a todos os outros, só que, na linha da fé (e como é importante nunca esquecer esta vertente), procura, apenas e só, ser fiel a alguém que afirma: “Se alguém quiser seguir-me, tome a sua cruz e siga-me”.

Mas São Paulo deixa outra interpelação a este ser ministro. “Alegro-me com os sofrimentos que suporto por vós”. É linguagem moderna esta que ele nos transmite? Não ferirá a sensibilidade de muita gente? Mas esta é a nossa vocação. Colocar os outros em primeiro lugar, incluindo quem governa a Igreja, e ter alegria em servir, mesmo com a exigência de, por vezes, suportar alguns sofrimentos.

Eu sei que vivemos numa sociedade que valoriza o prazer e rejeita tudo o que custa. Mas não passará por aqui a alegria da entrega quando somos colocados perante alguma solicitação que desconstrói os nossos gostos pessoais e particularmente os programas que a generalidade segue com entusiasmo? Oferecer voluntariamente a vida para que a plenitude da palavra de Deus seja proposta ao mundo. Sabemos que ele poderá recusar mas não deixará de ouvir. Ter alegria pelos sofrimentos que suportamos pelos outros. Poderemos não ser compreendidos. Mas, o amor tornar-se-á sensível e acordará muita instalação e comodismo.

Partir de dentro para ser ministros da Igreja e não de nós mesmos ou de um grupo de amigos; ministros que não temem os sofrimentos para que Cristo seja conhecido e amado por toda a Humanidade. Abraão estava sentado à porta da sua tenda mas ousou verificar que por ali passavam três homens com necessidades de um acolhimento e atenção. Passaram em frente da tenda. Abraão não precisou de ouvir qualquer pedido e antecipou-se. Tomou a iniciativa e obrigou a parar, criando condições para lavar os pés, descansar e oferecer-lhes pão para restaurar as forças.

A diaconia da Igreja pode esperar por solicitações ou pedidos. Mas, antecipar-se e não adiar a solução de muitos problemas é a atitude do discípulo missionário. Os políticos querem estudar os problemas e só respondem tardiamente enquanto o povo sofre. A Igreja deveria ser mais audaz e antecipar-se. É fácil andar a reboque das situações ou fechar-se em palavras que dissimulam uma incapacidade. Ousar chegar em primeiro lugar é o espírito da verdadeira diaconia.

Que estas ordenações em Ano Missionário signifiquem um novo modo de viver o sacerdócio num mundo alicerçado em pseudo-valores, ou seja, uma autonomia pessoal que constrói esquemas de vida fundamentados num egoísmo incompatível com a verdadeira entrega cristã e sacerdotal. Que o Ano da Misericórdia nos conduza a percorrer os caminhos daqueles que passam pela nossa porta e a quem acolhemos e oferecemos tudo quanto o amor sugere. Há outras estradas que teremos de percorrer. Não fugimos ao mundo mas devemos estar plenamente dentro dele para lhe mostrar que só a partir de Cristo se pode servir verdadeira e autenticamente.

 

 

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

 

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HML_15_2016.07.17_Braga_Ordenacoes.pdf