Arquidiocese de Braga -
2 novembro 2021
O Sínodo e a missão
Artigo de D. Nuno Almeida, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Braga.
“Queríamos ver Jesus” (Jo 12, 21). Este pedido de um grupo de gregos aos discípulos, em Jerusalém, continua a chegar hoje aos nossos ouvidos para que não só falemos de Cristo, mas também de certa forma O façamos “ver”. “Não é porventura a missão da Igreja refletir a luz de Cristo em cada época da história e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do nosso tempo?” (NMI 16). Muito mais do que a “eficiência” é decisiva a “transparência”.
É preciso, portanto, promover e facilitar a experiência fundamental da alegria do encontro com Cristo, que nos atrai para o Pai e nos dá a graça do Espírito Santo, que nos santifica, anima e envia em missão. Na verdade, na missão que somos, “nenhuma motivação será suficiente se não arder nos corações o fogo do Espírito” (EG 261). A vocação universal à missão “todos discípulos missionários” brota da vocação universal à santidade. Pelo que “não é possível imaginar a própria missão na terra, sem a conceber como um caminho de santidade (GE 19), pois é o que de melhor temos a oferecer para a transformação do mundo.
Recordemos, mais uma vez, que não inventamos nós a Igreja, ela é de Jesus Cristo e recebe-se d’Ele. Só depois se pode tornar tarefa, projeto e missão! O que fazer, então, para que as comunidades cristãs possam fazer “ouvir”, “ver” e “tocar” Cristo vivo e ressuscitado? A força do Espírito Santo torna possível a presença viva de Jesus como companheiro, conterrâneo e contemporâneo, mas temos consciência de que é esta a razão de ser de tudo o que existe na Igreja?
Falar de evangelização ou missão para os homens e mulheres do nosso tempo é convidá-los a reencontrar o anúncio jubiloso do amor, da adoção como filhos amados de Deus e, consequentemente, da fraternidade.
Numa costa com frequentes naufrágios, um pequeno grupo de homens, generosos e valentes, construiu um posto de salvamento. Tinham somente uma cabana e um barco salva-vidas! Eram poucos membros, mas dedicados sem nunca regatearem esforços, saindo sempre que era preciso, noite e dia.
Chegaram donativos, compraram mais barcos e o número de filiados cresceu. Melhoraram as condições e o posto de salvamento passou a ser um lugar de encontro, um clube. Passados alguns anos, contrataram empresas para salvar os náufragos e, algum tempo depois, estes foram proibidos de entrar, pois sujavam e podiam ser perigosos!
Aquele posto de salvamento esqueceu o que era! Uma minoria saiu dali e fundou pequenos postos de salvamento que continuavam a salvar vidas. E muitos destes, por sua vez, foram-se tornando num clube ou num museu.
Esta bela e interpelante parábola de Theodore Wedel descreve bem o perigo que correm todas as igrejas: o da irrelevância, quando se tornam autorreferenciais. Este perigo está sobretudo à espreita quando têm sucesso. A parábola ressalta, na linha do evangelho, o facto de que a única relevância que realmente importa é a que leva a responder às necessidades profundas das pessoas – relevância que toque as suas vidas e os lugares em que elas sofrem e esperam, protestam e rezam, têm fome de sentido e sede de relacionamentos profundos e nutrientes. Como são sábias as palavras do Papa Francisco: “Mais do que o ateísmo, o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus” (EG 89).
Urge oferecer um lugar privilegiado aos pobres na comunidade e ao imperativo evangélico de cuidar a fragilidade. O mundo da pobreza (carência de bens essenciais e materiais) e das novas pobrezas (solidão, dependências, doença, luto, separação conjugal, ignorância religiosa, exclusão social, etc.) reclama a atenção de uma comunidade “pobre de meios, mas rica no amor”. Não basta falar de Deus, mas é preciso deixar Deus falar (DCE 31 c), pelo testemunho do amor gratuito, ou através da sublime “arte cristã de amar”, caraterizada pelo amor místico, realista, concreto, oblativo e belo. Nisto conhecerão que somos realmente discípulos fiéis, felizes, fiáveis e missionários!
Que o exemplo de Maria, Senhora da Prontidão (EG 288), nos ajude a sairmos do encontro com Cristo para nos pormos todos a caminho, e a toda a pressa, porque é hora de assumirmos esta graça maior: a de ser uma Igreja que existe para evangelizar (cf. EN 14).
+Nuno Almeida, bispo auxiliar
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