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5 Dez 2017
A multidão cansada e abatida
Homilia na Solenidade de São Geraldo
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Quando o nosso espírito e mente se encontram receptivos à Palavra de Deus, acontecem amiúde vários momentos de surpresa e até de choque interior. O Evangelho não para de nos surpreender com a sua actualidade. Confronta-nos com a realidade, questiona os nossos comportamentos e valores, exige-nos uma opção clara. Com razão afirmava S. Paulo aos Hebreus, “A palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo […] e discerne os sentimentos e intenções do coração” (Heb 4,12). Depreendemos, assim, que, a um coração sensível, a Palavra de Deus não deixa indiferente.

É precisamente de uma situação invulgar e humanamente sensível que nos fala o Evangelho, no dia em que celebramos a Solenidade de S. Geraldo, arcebispo de Braga e Padroeiro principal da nossa cidade. Aproveito este momento para saudar o Sr. Presidente do Município de Braga, Dr. Ricardo Rio, e todos os vereadores presentes nesta Catedral. A vossa presença é um testemunho, para toda a cidade, de que quando as instituições encetam caminhos de diálogo e de proximidade, respeitando a especificidade e a autonomia das suas missões, todos os bracarenses, cristãos ou ateus, saem beneficiados.

Diz-nos, então, o Evangelho que Jesus, ao percorrer as cidades e aldeias, deparou-se com uma multidão. Contemplando-a, “encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). Em abono da verdade, também nós percorremos as ruas de Portugal e da nossa cidade de Braga e continuamos a encontrar pequenas multidões cansadas e abatidas. Talvez não sejam as ruas principais, meticulosamente cuidadas e preparadas, mas sim as ruas secundárias. As ruas que evitamos passar, as ruas proibidas a quem sente receio de se sentir posto em causa pela crueldade da situação. Nas ruas há casas grandes e pequenas, onde se encerram dramas humanos ou aventuras de restituição da dignidade. 

Porventura, o primeiro grande problema das nossas cidades é precisamente o anonimato das multidões. São, para muitos, um conjunto de rostos anónimos ou apenas um número para as estatísticas. E, por serem anónimos, não há quem cuide deles ou deles se preocupe. É interessante que Jesus mencione que aquela multidão era como ovelhas sem pastor. Numa linguagem contemporânea, diríamos que era como um povo sem líder.

Torna-se, por conseguinte, urgente, entre outras coisas, repensar, neste cenário de gente desconhecida, as figuras dos líderes religiosos ou civis, e a sua missão junto daqueles que neles depositam a sua esperança. Ser líder é, antes de mais, colocar-se no lugar do povo, das pessoas reais, compreender as suas necessidades, ter uma visão de futuro e não olhar apenas para o tempo presente. O líder é uma pessoa íntegra, respeitável, que transmite esperança e confiança. Ser líder é colocar os interesses das pessoas acima dos seus interesses pessoais ou ideológicos. Ninguém ignora que a qualidade de vida dos ignorados depende muito da sensibilidade e atenção dos sacerdotes nas suas comunidades, assim como daqueles que governam.

Os primeiros a necessitarem de um líder são, inevitavelmente, os desfavorecidos. Celebramos, no passado dia 19 de Novembro, o I Dia Mundial dos Pobres sob o lema: “Não amemos com palavras, mas com obras”. São diversos os tipos de pobreza. Podem ser de ordem material, espiritual, afectiva ou até familiar. É dos pobres que a Igreja, desde a sua fundação, se tem ocupado. Não por orgulho ou vaidade mas por absoluta necessidade. Quisessem os Homens acabar com estes flagelos e a Igreja percorreria outros caminhos. Quando os pagãos pediram ao mártir São Lourenço que reunisse a riqueza da Igreja, encheu de pobres uma igreja de Roma e, abrindo as portas, disse-lhes: “os pobres, eis a riqueza da Igreja!”.

Recordo, de modo particular neste momento, a pobreza dos afectos familiares. Recordo as muitas crianças e jovens que não têm uma família capaz de as acolher, de cuidar delas e de lhes proporcionar um futuro. Permanece, infelizmente, ainda hoje, um complexo em relação à Igreja. Acusando-a de riqueza, criam-se, na verdade, obstáculos e entropias que, apenas e só, lesam os mais desfavorecidos. Só uma cegueira ideológica é capaz de tais atitudes. Considero esta situação particularmente grave porque, escondendo-se por detrás de artefactos e jogos formais, não se assume, a posteriori, as consequência de tais actos. É grave quando os reais lesados são duplamente vítimas: vítimas da sociedade e vítimas dos seus comportamentos e atitudes irresponsáveis. Mas, agora toca-nos apostar em soluções que integrem os desfavorecidos na sociedade e promovam uma verdadeira e humana inclusão.

Celebrar a Solenidade de S. Geraldo é uma oportunidade única para fazermos memória do património material, e sobretudo imaterial, deste grande arcebispo, bem como de todos os arcebispos e pessoas de boa vontade. O passado abre-nos e indica-nos os caminhos que devem ser percorridos em conjunto e aqueles que devem ser evitados. O tesouro da Igreja são as pessoas e, por isso, ela quer ser recordada pela “memória da humanidade”: aquela memória dos homens que deseja resistir “a uma civilização do esquecimento”, como afirmou Bento XVI. Queremos continuar, com ousadia e criatividade, a criar todas as condições para que o milagre da fruta continue a repetir-se.

Não é casual o pedido do Papa Francisco no I Dia Mundial dos Pobres: “Não amemos com palavras, mas com obras”. Este é o tempo da acção. É o tempo de honrarmos a memória dos nossos antepassados, de defendermos as necessidades das pessoas concretas, de colocarmos de lado interesses pessoais e de termos a coragem de lutar contra ideologias e populismos que, aparentando defenderem interesses comuns, apenas lesam os descartados da sociedade, aqueles que moram nas “ruas laterais” e pelos quais ninguém se responsabiliza.

Nesta Catedral, onde S. Geraldo pontificou como um dos primeiros arcebispos que aqui celebraram, sinto de renovar o compromisso, pessoal e de toda a comunidade arquidiocesana, para que todos os habitantes, de Braga e da Arquidiocese, usufruam de tudo quanto é necessário para uma vida digna. Quero construir fraternidade com os outros líderes, políticos e religiosos, acreditando que a cidade só se constrói de mãos dadas, no respeito pelas competências, e potenciando o papel de cada um para um desenvolvimento integral, onde o humano se plenifica com o sobrenatural. Sejamos capazes de protagonizar esta cumplicidade criativa. Os vindouros reconhecerão o quanto fizemos pela cidade, como hoje nos recorda S. Geraldo. 

Que ele nos conceda esta paixão de colocar os bracarenses acima das nossas concepções pessoais.

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