Arquidiocese de Braga -

13 outubro 2020

Fiéis Defuntos em ano especial

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Mensagem por ocasião dos Fiéis Defuntos.

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Temos vindo a referir, por variadíssimas ocasiões, que esta pandemia, para além de uma responsabilização geral na prevenção e luta contra a sua tirania que atemoriza e responsabiliza, pode ser um acontecimento de graça do qual extraímos lições para a vida pessoal e pastoral. Nada ficará igual, tem sido referido com insistência. Saibamos aproveitar o que inevitavelmente bate à nossa porta. Não podemos ficar paralisados porque há sempre uma visão positiva a considerar.

No calendário da vida cristã e eclesial, o Dia de Todos os Santos e dos Fiéis Defuntos surge como um momento que convida a pensar nos entes falecidos e a visitar os cemitérios, o que pode provocar aglomerados. Este ano, de modo excepcional, não podemos permitir situações de riscos. Teremos, por isso, de distinguir dois momentos: a oração pelos mortos nas igrejas e as devoções nos cemitérios. 

Quanto às celebrações nas igrejas, deverão ser realizadas tendo em consideração a capacidade dos espaços e o cumprimento escrupuloso das orientações da Direção Geral da Saúde. Os párocos ajuizarão da necessidade ou da conveniência de multiplicar o número das celebrações (Eucaristias, Vésperas, ou Celebrações da Palavra).

A movimentação nos cemitérios, por sua vez, não é da nossa responsabilidade. As autarquias, com as quais já contactamos, emanarão as determinações que considerarem oportunas e de harmonia com os diferentes lugares. Agradecemos, porém, que os cemitérios não sejam totalmente fechados, mantendo sempre alguma vigilância para impedir concentrações. O povo saberá comportar-se com responsabilidade. Quanto às celebrações comunitárias nos cemitérios ficam canceladas para este ano. Pede-se, porém, aos sacerdotes que não deixem de passar pelos cemitérios, sem avisos prévios, para que, pessoalmente e como pastores das comunidades, rezem por todas as pessoas falecidas. Também as pessoas devem fazer individualmente desde que autorizadas pelas autoridades civis. Todo o mês de Novembro, em forma individual ou familiar deveria ser aproveitado para frequentes visitas aos cemitérios, sem nunca cair em aglomerados. Repito: não são permitidas procissões, romagens, celebrações comunitárias.

Importa ainda aproveitar esta circunstância, que é sensível para as comunidades, para reflectirmos mais profundamente. Na profissão de fé afirmamos a ressurreição dos mortos e a comunhão dos santos. Sabemos que os nossos entes falecidos estão agora vivos em Deus e, por isso, estamos unidos a eles, agradecendo o que foram para nós, pedindo que nos acompanhem com o seu amor e rezando para que Deus os admita no seu seio. Em Deus todos vivem na comunhão dos santos. (Lc 20, 38)

Esta verdade da fé encontrou, ao longo da história, a sua expressão máxima na devoção aos mortos, tradicionalmente realizada durante o mês de Novembro. No contexto do Programa Pastoral é uma maneira de testemunhar a solicitude pelo irmão defunto. A parábola do Bom Samaritano também nos interpela para que ponhamos em prática a caridade para com os que partiram. Outrora este mês tinha uma grande vivência nas nossas comunidades. A pandemia leva-nos agora a revitalizar esta devoção. 

Podemos fazê-lo mandando celebrar eucaristias em vários momentos mas particularmente nos aniversários da morte ou do nascimento. A Igreja sempre aconselhou esta vivência comunitária. Depois, a oração, pessoal ou familiar, torna-se momento privilegiado para esta relação constante com os que partiram. Estamos a redescobrir a família como Igreja doméstica e a oração em família pelos mortos pode ser um pormenor a introduzir nos hábitos familiares. As esmolas pelos mortos foram sempre praticadas e hoje devem ser incrementadas perante as inúmeras necessidades. Há pobres e necessitados nas paróquias. A Arquidiocese tem o Fundo Partilhar com Esperança que dá resposta a muitos pedidos. As paróquias têm também diversas carências na hora de realizarem a sua missão evangelizadora. A caridade vive-se pelo valor que encerra mas pode tornar-se oferta pelos outros e, no caso concreto, pelas pessoas amigas falecidas. A oração deve acontecer como algo espontâneo nesta permanente relação. É o modo de manter viva uma memória de gratidão e sufrágio. 

A Arquidiocese de Braga preparou esquemas de oração. Deverão ser usados durante este mês de Novembro mas também em muitas outras ocasiões. Também foi preparada uma gravação com as Vésperas dos Fiéis Defuntos, disponíveis nas redes sociais, e que podem ser seguidas, rezando-as em qualquer momento do dia ou no cemitério junto às sepulturas.

A pandemia, perante a vulnerabilidade e precariedade da vida, convida-nos a redescobrir o sentido da vida e a nossa ligação aos entes falecidos. Esta passa pela oração, na eucaristia e na vida pessoal e familiar, pelas esmolas e por todas as experiências de caridade. Tudo isto vale muito mais que todas as flores, círios ou sepulturas ornamentadas. Para além de tudo isto, alerto ainda para um sinal existente em muitas ruas e caminhos das nossas aldeias. Outrora foram-se construindo “alminhas” que hoje estão abandonadas ou aproveitadas para fins não convenientes. Muitas vezes, são um verdadeiro escândalo social onde os círios se amontoam, as flores se acumulam e o fumo enegrece. Passar por elas deveria convidar ao silêncio e a elevar uma prece por quem já partiu. Não é esta uma oportunidade para as recuperar, restituindo o significado que sempre tiveram: o convite à oração?

Na responsabilidade que me toca, deixo esta simples partilha, com o sentido de aproveitarmos este mês para revitalizar um artigo da nossa fé. Não poderemos ter a multidão de pessoas nos nossos cemitérios no dia 1 e 2 de Novembro. Todo o mês de Novembro deverá ser uma oportunidade para concretizar uma solicitude real pelos nossos irmãos defuntos, com a consciencialização de que, com eles, teremos de percorrer um caminho de santidade.

A par destas sugestões que expressam a nossa solicitude pelos irmãos defuntos, estes momentos de alguma anormalidade deveriam ajudar-nos a ultrapassar o problema sentido anualmente da preponderância do culto dos mortos sobre a vocação à santidade que estes dois dias deveriam sublinhar. A vida deve ser encarada como um projecto de santidade. Deus criou-nos para, depois de uma breve peregrinação na terra, vivermos em comunhão eterna com todos os que O amaram (2 Tim 2, 8-13). Ele ofereceu-nos o Seu amor. Deveremos acolhe-lo e fazer com que frutifique num relacionamento de “fraternidade e amizade social”. No caminho da caridade e em comunhão eclesial, celebrar os mortos terá de ser sempre um apelo à santidade, como vocação universal.

Convido a que olhemos para o essencial. As flores são importantes como sinal de amor mas podem valer muito pouco quando ficamos apenas nisso e nos gastos talvez exagerados. O aglomerado de familiares à volta das sepulturas deverá ser substituído pela revitalização de coisas já esquecidas e por novos hábitos que sublinhem as verdades em que acreditamos. Assim aconteça!

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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