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12 Set 2022
Grande é a potência da memória
Conferência no 100º centenário do Professor Adriano Moreira.
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O jubileu do centenário do nascimento de Adriano José Alves Moreira é um feliz motivo para celebrar o dom da vida e para consolidar a cultura do encontro. Grande é a potência da memória!

Ao revisitar a obra de Santo Agostinho, surpreende-me o que, no livro décimo das suas Confissões, escreveu, brilhantemente, acerca da memória. Enquanto relia o texto tão antigo e sempre novo, veio-me de imediato à memória o nosso muito estimado Professor Adriano Moreira: «Grande é a potência da memória, ó meu Deus! Tem não sei quê de horrendo, uma multiplicidade profunda e infinita. Mas isto é o espírito, sou eu mesmo. E que sou eu, ó meu Deus? Qual é a minha natureza? Uma vida variada, de inumeráveis formas, com amplidão imensa. Eis-me nos campos da minha memória, nos seus antros e cavernas sem número, repletas, ao infinito, de toda a espécie de coisas que lá estão gravadas, ou por imagens, como os corpos, ou por si mesmas, como as ciências e as artes, ou, então, por não sei que noções e sinais, como os movimentos da alma, os quais, ainda quando a não agitam, se enraízam na memória, posto que esteja na memória tudo o que está na alma. Percorro todas estas paragens. Vou por aqui e por ali. Penetro por toda a parte quanto posso, sem achar fim. Tão grande é a potência da memória e tal o vigor da vida que reside no homem vivente e mortal!».

Por isso, ler o presente à luz da memória do passado e ver com coragem e confiança a memória do futuro. Com efeito, «Agostinho vê a história como um canto absolutamente estupendo, que corre através dos tempos» (Romano Guardini). E, Adriano Moreira frisa: «o passado é o grande construtor do futuro».

Um dos seus muitos livros: Futuro com memória. Lições da vida e da história, que foi apresentado em Bragança no dia 25 de maio de 2016, trata a nova ordem internacional e os caminhos da esperança são constantemente refletidos, analisando as inquietações do nosso tempo.

A partir de inúmeras perguntas apela a novos horizontes: como definir o conceito estratégico mundial? Qual a importância da ONU? (...) como recuperar os valores universais? Quais são os grandes ensinamentos da História que hoje devemos ter presentes?

A tal propósito, Adriano Moreira escreveu mesmo ao Papa Francisco para que a Igreja Católica tomasse a iniciativa da criação de «uma sala singela para meditação de todas as religiões» na sede da ONU. O propósito era o de enriquecer utilmente a contribuição na doutrinação da paz para «o património imaterial da humanidade, tão descuidado e violado neste século sem bússola».

O Curriculum vitae do nosso prezado amigo Professor Adriano José Alves Moreira é insigne ao serviço da cidadania e do desenvolvimento integral a Portugal e às terras do Nordeste Transmontano, suas origens de marca indelével. 

A potência da memória, reporta-nos com Adriano Moreira: «o solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus. A história da própria amizade com Deus desenrola-se sempre num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal, e cada um de nós guarda na memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem. Quem cresceu no meio dos montes, quem na infância se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava numa praça do seu bairro, quando volta a esses lugares sente-se chamado a recuperar a sua própria identidade» (Laudato Sì 84).

É-me muito grato partilhar a estima e o reconhecimento que nutro pelo Professor Adriano Moreira. Conheço-o desde 1995, na feliz celebração dos 450 anos da querida Diocese de Bragança-Miranda. À sua conferência deu o título: «Entre a capela e a missa sobre o mundo». 

Continuam atuais as significativas análises pronunciadas: «Quando a violência sistemática multiplica os fatores do despovoamento do interior, da litoralização das atividades económicas, são os reforços e vitalização das comunidades locais que aparecem a reanimar os nordestes abandonados. No caso português, à medida que avança o europeísmo das estruturas de segurança, económicas e culturais, é o nordeste pobre que está geograficamente menos distante dos centros decisórios em formação, uma primeira fronteira de diferença, uma histórica expressão de identidade, pedra das colunas da terra, onde se reflete a mundialização, e que põe a sua marca nas respostas à globalização. Aqui, em Bragança, como em Banja Luka, como no acampamento de Chardin, como nas missões de África, passa a nova estrada de Santiago. A que vai da pátria pequena à mundialização, das comunidades párias à comunidade mundial, da Capela à Missa sobre o Mundo».

Ao Prof. Adriano Moreira, um homem que edifica a Esperança, na inspiração da Doutrina Social da Igreja, cabem as palavras do grande São Bernardo: «existem alguns que querem conhecer só para conhecer: e esta é curiosidade; existem aqueles que querem conhecer para serem conhecidos: e esta é a vaidade; existem aqueles que querem conhecer para vender o seu saber: e isto é um ganho injusto; existem ainda aqueles que querem conhecer para serem edificados: e esta é a sabedoria; existem, enfim, aqueles que querem conhecer para edificar: e só esta é a caridade».

Há um estimulante e profético título que Adriano Moreira deu a um livro: A espuma do tempo. Memórias do tempo de Vésperas (1971). A dedicatória do livro é magnífica: «para a Mónica, nos quarenta anos de amor, e sempre de tempo de vésperas».

No ninho dos afetos, vem em primeiro lugar os seus pais (heroicos) e avós. Espera ainda que os seus filhos se lembrem do Adriano, como ele se recorda do pai. Os afetos não morrem nunca.

Com efeito, «Na véspera de chegarmos. (...). Mergulhando as mãos no tempo verdadeiro que é o nosso. Cheio de promessas para o dia. Que será dos outros. Filhos das nossas esperas sem fim. Do nosso vazio. Da nossa angústia. Da nossa esperança. Do nosso tempo de vésperas». 

Em nome pessoal e da Diocese de Bragança-Miranda, que servi, manifesto a mais viva e profunda gratidão pelo que é e pelo que faz. É justa e necessária cada homenagem que se presta à sua pessoa, servindo a mesma como referencial de cultura e de identidade humana e social na grande escola da vida. Reconheço nele as qualidades naturais de um líder, aliando o profissionalismo e a competência aos valores humanos e cristãos na edificação do Bem Comum, da solidariedade fraterna e da justiça e amizade sociais.

Podemos também responder com a dimensão contemplativa da vida que o jovem poeta Daniel Faria, nascido há 51 anos e falecido com apenas 28 anos, escreveu:

«Homens que são como lugares mal situados
.... Homens de cabeça aberta exposta ao pensamento
Livre. Que se vêm devagar abrir
Um lugar onde amanheça.
Homens que se sentam para ver uma manhã
Que escavam um lugar
Para a saída
».

A propósito dos conflitos e das guerras, Adriano Moreira afirma: «é possível derrotar um exército, mas não um povo». Esperar pode gerar angústia. 

Um dia escreveu Tonino Guerra em “o livro das igrejas abandonadas”: «eu abandono Roma, os camponeses abandonam a terra, as andorinhas abandonam a minha aldeia, os fiéis abandonam as igrejas, os moleiros abandonam os moinhos, os montanheses abandonam os montes, a graça de Deus abandona os homens, Alguém abandona tudo». Todavia, Deus não nos abandona. 

Somos chamados a viver e a testemunhar uma cultura de confiança, como nos interpela um hino da Liturgia: «se me colhe a tempestade e Jesus vai a dormir na minha barca, nada temo porque a Paz está comigo». Ainda que pareça cansado do sonho de viver e dar a vida, Ele está sempre connosco até ao fim do fim. 

A paz dá que fazer a todos e integra o caminho dos bons políticos: «Com efeito, a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo. Se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade» (Papa Francisco).

É também eloquente o desafio que o Cardeal F. Van Thuân (+ 2002) escreveu em forma de bem-aventuranças: «Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel; Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade; Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses; Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente; Bem-aventurado o político que realiza a unidade; Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical; Bem-aventurado o político que sabe escutar; Bem-aventurado o político que não tem medo».

A potência da memória do passado, presente e futuro é demanda imorredoura. Sim, «Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: “Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim?” As perguntas, talvez dolorosas, serão: “Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?”» (Fratelli Tutti 197).

Na linha de São Paulo VI, o Papa Francisco sublinha muitas vezes que: «A política é a forma mais alta, maior, da caridade. O amor é político, isto é, social, para todos». 

A Igreja propôs recentemente, ao declarar Schuman como “venerável”, um modelo de santidade que alguém viveu na ação política e social como cidadão cristão na Europa, a qual não pode excluir a herança religiosa, isto é, as suas raízes cristãs. Os pais da Europa do século XX são três figuras cristãs com odor de santidade: Robert Schuman, Konrad Adenauer e Alcide De Gaspari.

Ousamos citar o Diário VIII de Miguel Torga: «S. Martinho de Anta, 29 de outubro de 1955 – Foi desta realidade que parti, e é a esta realidade que regresso sempre, por mais voltas que dê nos caminhos da vida. É uma certeza de marcos com testemunhas, que nunca me deixa desorientado quando quero avivar as estremas da alma (…) Nasci povo, povo continuo e povo quero morrer».

Adriano Moreira é um referencial humano e cultural na lusofonia. O prémio literário com o seu nome é lugar para fazer crescer a cultura do encontro na fraternidade universal e na amizade social. Adriano Moreira pergunta-se: «Para que serve a grandeza na terra?» Ou por outras palavras: «substituímos o credo dos valores pelo credo do mercado». 

A roda é uma metáfora que usa frequentemente para se referir aos valores que não passam. O eixo da roda segue o rodar da roda, mas não roda. Com efeito, o eixo da roda é constituído pelos valores humanos e cristãos: da doutrina social da Igreja, do sentido da pertença a Portugal, da defesa dos mais pobres....

Como São Francisco de Assis podemos rezar: «Senhor fazei de mim um instrumento da Vossa Paz» e como São Bento, o padroeiro da Europa, cujo lema é Pax; construamos a Paz no quotidiano dos nossos dias. Que a nossa colaboração recíproca promova o desenvolvimento na verdade e na caridade e que na nossa terra «os montes tragam a paz ao povo, e as colinas, a justiça» (Sl 72,3). 

A proximidade com o Prof. Adriano Moreira reforçou-se em 2011 aquando da minha nomeação para Bispo de Bragança-Miranda. Nessa altura passou a chamar-me: “meu bispo”. Sinto uma proximidade sincera e amiga, que releva a sua autenticidade e estatura de coração. Da sua bondade nasceu a amizade cordial. 

Muito bem-haja Adriano Moreira!

† José Cordeiro, Arcebispo Primaz

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