Arquidiocese de Braga -

16 junho 2021

"Pessoas com deficiência são discriminadas até no acesso à vacina"

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dacs

Frase faz parte de cenário traçado pela Pontifícia Academia para a Vida, que sugere várias formas de incluir e proteger pessoas com deficiência.

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A Pontifícia Academia para a Vida publicou um documento intitulado “Amizade com pessoas com deficiência: o começo de um novo mundo”. O texto, assinado por D. Vincenzo Paglia, Presidente da Academia, e pelo Pe. Renzo Pegoraro, Chanceler, retrata algumas das situações dramáticas vividas já de forma habitual por estas pessoas e agora agravadas pela pandemia de Covid-19.

“À medida que esta pandemia expõe totalmente experiências vividas de incerteza, limitação e fragilidade, as pessoas com deficiência e os seus cuidadores precisam e merecem atenção e apoio especial porque a pandemia afetou desproporcionalmente as suas vidas de forma negativa. Ao mesmo tempo, como humanos, as nossas experiências partilhadas de incerteza, fragilidade e limitação durante esta pandemia revelam a nossa profunda necessidade uns dos outros, e de Deus, na nossa busca por bem-estar e significado”, pode ler-se no documento.

A Academia assinala vários tipos de deficiência existentes e realça que uma em casa seis pessoas no mundo vive com algum tipo de deficiência, tendo estas pessoas maior risco de doença severa e morte devido à Covid-19.

“Isto deve-se não apenas a certos fatores biológicos predispostos, mas também a vários factores modificáveis, como o acesso desigual aos cuidados de saúde e outros apoios necessários. Ao contrário de outros grupos marginalizados da sociedade, o impacto positivo e negativo das medidas de saúde pública nas pessoas com deficiência como um grupo, e nos seus cuidadores, é significativo e muitas vezes não está a ser avaliado de forma adequada”, alertam os responsáveis.

A nota traça um cenário preocupante para as pessoas com deficiência durante a pandemia: várias pessoas com deficiência intelectual ou sensorial tiveram dificuldades em aceder a informação sobre a prevenção da Covid-19; pessoas com mobilidade reduzida encontraram muitas barreiras à testagem, vacinação ou tratamento em unidades de saúde; pessoas com vários tipos de deficiência ficaram desamparadas com a restrição de visitas em hospitais ou unidades de cuidado.

“Ao contrário de outros grupos marginalizados da sociedade, o impacto positivo e negativo das medidas de saúde pública nas pessoas com deficiência como um grupo, e nos seus cuidadores, é significativo e muitas vezes não está a ser avaliado de forma adequada.”


A Academia fala ainda dos efeitos sindémicos sofridos por algumas destas pessoas, que até hoje continuam sem ver atendidas várias doenças de que padecem por todos os cuidados primários estarem concentrados na prevenção e luta contra a Covid-19: perda de emprego ou rendimentos dos cuidadores, condições de habitação deploráveis e efeitos relacionados com o isolamento prolongado, como o “aumento da ansiedade, solidão, sensação de desamparo, desespero e violência doméstica”.

“Quanto mais tempo estes efeitos sindémicos interagirem, maior será o risco de deterioração da saúde física, mental e do bem-estar das pessoas com deficiência, especialmente entre aquelas com deficiências mais graves e sistemas de suporte mais facilmente comprometidos”, alerta a nota.

No entanto, D. Vincenzo Paglia e o Pe. Renzo Pegoraro explicam que algumas destas situações já aconteciam antes da pandemia, já que a capacidade de tomar decisões das pessoas com deficiência muitas vezes tem sido “negligenciada” ou “não encontra suporte” nos sistemas de saúde.

“A negação ou rejeição de qualquer limitação ou vulnerabilidade na condição humana pode muitas vezes levar a sociedades indiferentes ou injustas. Em tais sociedades, as pessoas com deficiência são rejeitadas, consideradas as últimas a beneficiar do bem comum ou totalmente excluídas. Em algumas sociedades, são tratadas como descartáveis.”


“Muitas pessoas com deficiência intelectual e de desenvolvimento e outras deficiências cognitivas, no entanto, são capazes de tomar decisões responsáveis em relação aos seus cuidados de saúde se as suas necessidades forem atendidas (por exemplo, se lhes for oferecido mais tempo, ambientes menos stressantes, formas alternativas de comunicação e ajuda de cuidadores de confiança)”, explicam.

Os responsáveis falam ainda da discriminação de pessoas com deficiência, até em decisões e políticas que envolvem o alocar de ventiladores, por presumivelmente terem uma menor qualidade de vida.

“Essa discriminação decorre de um viés capacitista, difundido nos sistemas de saúde, que vê a deficiência de forma negativa e percepciona as pessoas com deficiência como tendo vidas que valem menos a pena conservar do que as de pessoas sem essas deficiências”, alertam.

A Academia conclui assim que as experiências negativas das pessoas com deficiência advêm não apenas da sua vulnerabilidade, mas também do “falhanço da sociedade” em proteger e incluir estas pessoas quando estão a ser desenvolvidas políticas de saúde pública.

O documento faz ainda uma série de reflexões sobre questões éticas que afectam as pessoas com deficiência e sublinha que é necessário a) respeitar a dignidade e o valor igual dos humanos ao quando considerado o bem comum; b) considerar a saúde e o bem-estar de forma abrangente e relacional; c) promover a solidariedade e uma opção preferencial pelos pobres e vulneráveis.

“Essa discriminação decorre de um viés capacitista, difundido nos sistemas de saúde, que vê a deficiência de forma negativa e percepciona as pessoas com deficiência como tendo vidas que valem menos a pena conservar do que as de pessoas sem essas deficiências.”


A Pontifícia Academia para a Vida refere as pessoas com deficiência como “professores que devem ser ouvidos”, já que são capazes de ensinar que “a fragilidade humana, a vulnerabilidade, a limitação e a falta de autossuficiência” de todas as pessoas fazem com tenham necessidade da cura de Deus e sejam dependentes umas das outras.

“Esta é a autoridade do ensino da deficiência: necessidade, vulnerabilidade e limitação humana, que nos afectam a todos, podem abrir-nos à oração na procura por ajuda, esperança e salvação final. Mesmo com as nossas limitações, podemos desfrutar das bênçãos da vida e do amor que continuamos a receber. Deus está presente e pode alcançar e abençoar outras pessoas através de nós, mesmo quando o nosso corpo, mente e capacidade de comunicação nos falham”, pode ler-se.

Os responsáveis referem que é importante distinguir os diferentes tipos de vulnerabilidades existentes e que, independentemente de qualquer situação pandémica, toda a sociedade deve esforçar-se por ser justa ou por reparar injustiças.

“(…) A negação ou rejeição de qualquer limitação ou vulnerabilidade na condição humana pode muitas vezes levar a sociedades indiferentes ou injustas. Em tais sociedades, as pessoas com deficiência são rejeitadas, consideradas as últimas a beneficiar do bem comum ou totalmente excluídas. Em algumas sociedades, são tratadas como descartáveis. Testemunhamos algumas dessas atitudes e comportamentos durante esta pandemia”, avisam, referindo este como um problema “muito sério”.

A Pontifícia Academia para a Vida conclui o documento afirmando haver esperança num mundo pós-pandémico mais ético e com uma série de recomendações práticas:

A. “Encorajamos todos a defenderem que as pessoas com deficiência e as suas famílias sejam consultadas no desenvolvimento de políticas de saúde pública”.

B. “Instamos as autoridades e investigadores a avaliarem os efeitos de tais políticas e a sua implementação sobre a saúde e o bem-estar das pessoas com deficiência e respectivas famílias”.

C. “Apelamos às organizações católicas de saúde, que colectivamente consistem num dos provedores de saúde e serviços de apoio social mais difundidos e significativos do mundo, a mostrar liderança na resposta às necessidades das pessoas com deficiência e respectivas famílias durante e após esta pandemia”.

D. “À medida que o mundo distribui vacinas COVID-19, recomendamos dar prioridade não apenas aos que se encontram em países e comunidades sob alto risco de infecção e doenças graves, mas também, como as pessoas com deficiência, aos que as medidas genéricas de saúde pública impõem desproporcionais encargos (por exemplo, a perda de serviços de suporte essenciais)”.

E. “Apoiamos a alocação de recursos de saúde durante esta pandemia de acordo com políticas e práticas que não discriminem as pessoas com deficiência apenas com base na sua deficiência”.

F. “Apelamos a cooperação global, parcerias “público-privadas” e iniciativas de base para melhorar a distribuição da vacina e superar as barreiras económicas, políticas e outras para a distribuição equitativa de vacinas dentro e entre os países do mundo”. 

G. “Além desta pandemia, à medida que as unidades de saúde começam a lidar com o acumular de pacientes cujas necessidades de saúde permaneceram sem atendimento durante esta pandemia, apelamos ao desenvolvimento de medidas para melhorar o acesso aos cuidados de saúde de pessoas com deficiência para que não fiquem para trás na fila para esses serviços”.