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Comissão Justiça e Paz | 16 Mar 2023
Caminhar juntos na escuta a Jesus
Reflexão da Comissão Nacional Justiça e Paz para a Quaresma de 2023
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  © DR

O Papa Francisco convoca-nos para uma caminhada quaresmal que define de Ascese e itinerário sinodal.

É o desafio de, no meio da cultura individualista onde medramos, entrarmos na realidade sinodal que nos coloca num processo verdadeiramente relacional.

Se lermos a narração da Transfiguração nos três Evangelhos sinóticos, podemos ver que a Transfiguração é precedida do diálogo de Jesus com os discípulos onde, sem rodeios, Ele lhes diz quais são as condições, nada meigas, para O seguir e o que Lhe vai acontecer. E Pedro até o repreende, talvez cheio de confiança depois da resposta que tinha dado a Jesus dizendo «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo». Mas Jesus não se deixa levar por amiguismos e responde: «Afasta-te Satanás!».

Mas com a sua pedagogia, seis dias depois, Jesus toma Pedro, Tiago e João leva-os ao monte Tabor.

Jesus sabe quão facilmente somos senhores das certezas e da verdade, mas não desiste e propõe uma experiência: subir com Ele ao monte. Um momento especial, mas não o faz individualmente e, por isso, Jesus levou três consigo. É o desafio da ascese e da sinodalidade.

Afasta-te Satanás! – disse Jesus à interpelação tão humanamente correta de Pedro.

Quantas respostas damos humanamente corretas, lógicas e até cheias de bondade?

O desafio de Jesus é vermos mais além. É subirmos, com Ele, a um «alto monte», o que implica um esforço, o nosso contributo. E o resto é graça de Deus, é a Sua presença. Também nós estamos diante do convite à subida, a «seguir Jesus pelo caminho da cruz». É algo que está para além da lógica humana e faz parte do «mistério da salvação divina – escreve o Papa na sua mensagem –, realizada no dom total de si mesmo por amor, é preciso deixar-se conduzir por Ele à parte e ao alto, rompendo com a mediocridade e as vaidades».

O papa Francisco, ao propor uma ascese nesta Quaresma, coloca-nos diante da necessidade de uma resposta ao mundo de hoje. Já Karl Rahner, um grande teólogo, num ensaio escrito logo depois do Concílio Vaticano II, escrevera uma frase profética dizendo que «o cristão do futuro ou será um místico ou não será nada!».

Porém, a ascese no alto monte não é o culminar de um processo, o fim, mas uma etapa para regressar, descer e, com a experiência feita no alto, fazer dessa mística a razão para agir, não é uma farda que se põe e tira, mas é a própria pele da relação com Deus.

E o papa Bento XVI, na encíclica Deus caritas est, diz-nos: «A fé tem, sem dúvida, a sua natureza específica de encontro com o Deus vivo — um encontro que nos abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio da razão. Ao mesmo tempo, porém, ela serve de força purificadora para a própria razão. Partindo da perspetiva de Deus, liberta-a de suas cegueiras e, consequentemente, ajuda-a a ser mais ela mesma. A fé consente à razão de realizar melhor a sua missão e ver mais claramente o que lhe é próprio. É aqui que se coloca a doutrina social católica».

Diante de tais desafios, que resposta podemos dar ao título recente do jornal Público (5 de março de 2023) onde se lia: «Ocidente perdeu a sua capacidade de sofrer».

E o rol de porquês que, apesar de tudo gritamos, mesmo se em silêncio, só têm resposta no grito atroz na cruz «Meus Deus, meus Deus porque me abandonaste?», que não foi há 2000 anos, mas que é atual e onde cada um de nós é chamado a entrar.

Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João «para serem testemunhas dum acontecimento singular» e o mesmo aconteceu mais tarde depois da ressurreição quando apareceu aos Doze. Eles juntos foram testemunhas. É o sublinhar da Sua presença e da Sua manifestação quando estão juntos. É o «onde dois ou mais estão reunidos em Meu nome, Eu estou no meio deles».

E nós de que é que somos testemunhas?

Qual será verdadeiramente o acontecimento singular da nossa vida?

Depois, o Papa diz-nos quais são os princípios ao escrever que o «caminho sinodal está radicado na tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, aberto para a novidade».

Quais são as novidades que o Evangelho nos dá hoje?

O teólogo Piero Coda, secretário da Comissão Teológica Internacional, referindo-se à sinodalidade, disse: «O que se exige hoje – e é a isso que o Papa Francisco convida, em continuidade com o magistério dos seus antecessores – é um salto qualitativo: despertar as energias e imaginar as formas, em fidelidade criativa ao depósito da fé, de uma práxis sinodal pertinente e corajosa capaz de envolver todos e cada um dos membros do Povo de Deus. (in L'Osservatore Romano, 3-4 maio 2018)».

De facto, neste tempo presente que vivemos, talvez mais do que noutros tempos, somos chamados ao desafio sinodal de vivermos uma comunhão que dá testemunho.

E é também este o desafio que somos chamados a vivenciar como Comissão Nacional Justiça e Paz: o de, nas diferenças de um coletivo, podermos dizer uma palavra sobre a justiça e a paz fruto de um caminho sinodal que nos dispomos a fazer e se vai também tornando mais claro, sem méritos pessoais, mas fruto da bondade de Cristo.

O Papa escreve que «À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é “sinodal”». Talvez seja o momento de nos questionarmos em que é que esse caminho é sinodal.

Até participámos em reuniões sobre o caminho sinodal, alguns poderão ter experimentado alguma desilusão, outros poderão não se terem sentido expressos e é, por isso, que o «processo sinodal se apresenta árduo e por vezes podemos até desanimar; mas aquilo que nos espera no final é algo, sem dúvida, maravilhoso e surpreendente, que nos ajudará a compreender melhor a vontade de Deus e a nossa missão», lê-se na mensagem.

Não basta repetir à exaustão que a sinodalidade é comunhão, participação e missão. Mas se não se exercitam, enjaulamos a sinodalidade numa estrutura.

É que, muitas vezes, vivemos uma espécie de militância em estruturas eclesiais. Limitamos a nossa relação com Deus através de intermediários e não ousamos falar, relacionarmo-nos com Ele, subir com Ele ao «alto monte» e experienciar o que é viver com Ele.

O caminho ascético quaresmal e, de modo semelhante, o sinodal, têm como meta uma «transfiguração, pessoal e eclesial», uma transformação que, em ambos os casos, encontra o seu modelo em Jesus e «realiza-se pela graça do seu mistério pascal».

«A voz da nuvem diz: “Escutai-O”».

Quaresma, tempo de escuta porque Ele fala:

- «na Palavra de Deus”; “não a deixemos cair em saco roto»;

- «nos irmãos, sobretudo nos rostos e vicissitudes daqueles que precisam de ajuda»;

- «no processo sinodal: a escuta de Cristo passa também através da escuta dos irmãos e irmãs na Igreja».

Eis-nos diante de um trio de possibilidades.

Quantos medos nos assaltam?

Que insegurança sentimos quando são postas em causas certezas a que nos agarrávamos?

Assustados, parece que tudo desmorona. Mas é Jesus que nos diz:

«“Levantai-vos e não tenhais medo”. Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém».

«E aqui temos a segunda indicação para esta Quaresma: não refugiar-se numa religiosidade feita de acontecimentos extraordinários, de sugestivas experiências, levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições».

«Levantai-vos e não tenhais medo». Diante da «graça experimentada» podemos descer à planície e «sermos artesãos de sinodalidade na vida ordinária das nossas comunidades».

Desçamos à planície, à cidade ou à aldeia, ao prédio onde moro com tanta gente que não conheço ou à vizinhança que desde sempre conhecemos, aos espaços laborais carregados de tensões ou aos recintos desportivos pintados de cores salpicadas de irracionalidades, embrenhemo-nos nas dificuldades latentes nos jogos políticos, desçamos à planície onde a humanidade labuta, entremos nas escolas onde a vontade de saber perde fregueses.

Descer o monte é a proposta clara.

Depois da experiência no «alto monte» podemos dar o nosso contributo para transformar o negativo em esperança.

Somos desafiados a transformarmos pela vida a formatação em formação e as imposições do sábado na liberdade dos filhos de Deus, fruto do encontro com Deus no Tabor.

A ascese verdadeira tem “cá em baixo” consequências de empenho ousando, como escreveu Jonas, “vestir-se de saco” e sermos capazes agir e falar sobre:

-  a justiça que não é justa;

- a saúde que geme dores impensáveis que se alastram como mancha de óleo;

- as casas dignas que são miragens para tantos e soberbos escândalos para poucos;

- os abusos sexuais e de poder que mostram a nossa miséria, e onde tantos enjeitam o seu quinhão de responsabilidades;

- a solidão que entope os diálogos, as condições miseráveis que agonizam pelas cidades apenhadas de indiferentes e descartados;

- os jogos de palavras com que baralhamos o próximo, qual nova Babel que nos deleita ao confundir o próximo;

- a afronta à vida e à morte, um absurdo existencial, porque matamos Deus e matamos a condição humana;

- a discriminação de minorias e a indignidade com que tratamos os imigrantes e os refugiados;

- os idosos descartados em estruturas desumanas como se fossem ‘coisas’ que perdem cotação no mercado;

- a educação, uma relação cada vez mais frágil, uma realidade gritante de desespero surdo e atroz;

- o submundo da pornografia, um surpreendente e dramático fenómeno que vai passando incólume, fruto de uma pseudoliberdade;

- a economia deificada a que todos se ajoelham e mata quem não a adora;

- o risco de transformarmos oportunidades de sermos Igreja numa sucessão de eventos.

Diante desta panóplia, facilmente nos pode vir a tentação de ‘fugir’ para o Tabor.

Ainda no relato da Transfiguração, aparece mais uma vez Pedro a dizer a Jesus: «Senhor, é bom estarmos aqui; se quiseres, farei aqui três tendas».

E esta não continua a ser ainda hoje a nossa tentação de nos fecharmos nas estruturas e movimentos eclesiais, sentindo-nos bem, confortados uns com os outros e não correndo o risco de descer à cidade, ao risco da missão?

E quando nos depararmos com as divergências, é-nos pedido um passo sinodal de ‘juntos’ subirmos ao monte.

Se não subirmos ao monte, torna-se mais fácil agarrarmo-nos às coisas boas, agradáveis e até santas, mas que não são Deus. Precisamos do exercício da subida para o encontro com a Pessoa, com Deus.

Perguntemo-nos amiúde nesta quaresma: Em que ponto está a nossa transfiguração pessoal? E eclesial?

Somos capazes de seguir Jesus juntos? Ou cada um “lá tem a sua fé”?

Temos medo de arriscar que a gota da minha pequenez se perca no oceano infinito do Amor de Deus?

Na sinodalidade, a novidade não é gizada à mesa pelos sábios, pelos teólogos, mas pelo Espírito Santo.

E o Espírito Santo que, sem fazer ruído, mas sendo aquela brisa suave, vai assistindo a Igreja e o Papa.

No congresso promovido pelo Dicastério para os leigos, a família e a vida, o papa Francisco voltou a sublinhar a riqueza da sinodalidade dizendo: «estrada que Deus está a apontar à Igreja é precisamente viver, de forma mais intensa e concreta, a comunhão e caminhar juntos. Convida-a a superar os modos autónomos de agir ou as linhas paralelas que nunca se encontram». E conclui com um olhar profético dizendo que «existe ainda um longo caminho a percorrer para que a Igreja viva como um corpo, como um verdadeiro Povo, unido pela única fé em Cristo Salvador, animado pelo mesmo Espírito santificador e orientado para a mesma missão de anunciar o amor misericordioso de Deus Pai».

Depois da experiência de ascese e sinodalidade, somos chamados a olharmos as realidades sociais, políticas, laborais, culturais, eclesiais, familiares e pessoais, com olhos de Páscoa.

E o papa Francisco, ao anunciar o Jubileu de 2025, propõe-nos continuarmos a caminhar juntos na escuta a Jesus para sermos peregrinos e testemunhas da esperança, escrevendo na carta de anúncio (11 de fevereiro de 2022) que «devemos manter acesa a chama da esperança que nos foi dada e fazer todo o possível para que cada um recupere a força e a certeza de olhar para o futuro com espírito aberto, coração confiante e mente clarividente».

 

          Lisboa, 9 de março de 2023

 

A Comissão Nacional Justiça e Paz

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