Arquidiocese de Braga -

15 novembro 2023

"Todos podemos falar, todos somos escutados"

Fotografia DR

dacs

Na construção do caminho sinodal, até a fase de conclusão do Sínodo em 2024, trazemos a entrevista sobre o tema com o padre Paulo Terroso

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O Sínodo dos Bispos é um dos temas que estão a ser discutidos durante a  208ª Assembleia Plenária do da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que decorre em Fátima até amanhã, dia 16. 

A Primeira Sessão da Assembleia Sinodal, realizada de 4 a 29 de outubro, em Roma, teve como mote ‘Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão’.

O Igreja Viva de 2 de novembro trouxe uma entrevista com o padre Paulo Terroso, membro da Comissão de Informação da Secretaria-Geral do Sínodo dos Bispos, que acompanhou de perto esse momento fundamental da vida da Igreja.

Aproveitamos para recordar o tema, que ainda será assunto, na construção do caminho sinodal, até a fase de conclusão no próximo ano.

Há uma expectativa em torno de decisões sobre questões da Igreja, sem lembrar que o Sínodo é em si um processo.  Quase um ano é o tempo que nos separa da próxima fase. Que temas ficam desta Assembleia que está a terminar? 

Pe. Paulo Terroso - O relatório de síntese é como que uma reflexão sobre a Igreja a 360 graus. Aliás, este é um dos motivos de crítica ao Sínodo, pela amplitude de matérias a tratar. Porém, como referiu o coordenador dos peritos teólogos do Sínodo, padre Dario Vitali, na Congregação Geral que iniciava o trabalho do módulo sobre a participação, responsabilidade e autoridade, “quando chegarmos ao consenso de que a Igreja é constitutivamente sinodal, teremos que repensar toda a Igreja, todas as instituições, toda a vida da Igreja, num sentido sinodal”.

Neste sentido, o relatório síntese espelha todo o caminho percorrido até agora e estrutura-se a partir de três eixos dinâmicos: convergências, questões a abordar e propostas que surgiram do diálogo. São oferecidas reflexões e propostas sobre temáticas como o papel das mulheres e dos leigos, o ministério dos bispos, o sacerdócio e o diaconato, a importância dos pobres e migrantes, a missão digital, o ecumenismo e os abusos. 

Tudo merece a nossa atenção, mas o que vai exigir mais compromisso, de todos nós, são as questões que carecem de respostas e dar seguimento às propostas.

Padre Timothy Radcliffe, assistente espiritual da assembleia, disse que o que foi vivido “é uma mudança extraordinária na forma de sermos Igreja, juntos”. Como é perceptível essa mudança?

Todos podemos falar, todos somos escutados. Todos temos algo a aprender, todos temos algo a ensinar. Esta é, na minha opinião, a grande mudança. Passamos de um laicado áfono, à experiência real e concreta do sensus fidei. Como disse o Papa Francisco, no seu discurso por ocasião da Comemoração do Cinquentenário da Instituição do Sínodo dos Bispos, “o sensus fidei impede uma rígida separação entre Ecclesia docens e Ecclesia discens, já que também o Rebanho possui a sua ‘intuição’ para discernir as novas estradas que o Senhor revela à Igreja”. 

A presença de leigos e leigas, como testemunhas de um caminho percorrido até esta sessão, amplia positivamente a compreensão do que é um Sínodo dos Bispos e expressa, “muito claramente o que significa ser representante do colégio dos bispos, não como indivíduos solitários, mas como bispos imersos no diálogo com o seu povo” (…) “ouvindo, falando e aprendendo”, como nos diz o padre Timothy Radcliffe.

As mesas redondas, a transparência na divulgação dos temas, o acompanhamento dos media, foram traços que diferenciam esta assembleia. É um novo rosto da Igreja?

Já muito se falou sobre as “mesas redondas”, mas verdade é que elas tornaram-se um símbolo, diria mesmo um ícone deste sínodo. Ao ponto deste sínodo já ser conhecido como “O Sínodo das mesas redondas”. 

Nas mesas redondas, mais importante do que a posição que cada um ocupa na hierarquia da Igreja, é a radical igualdade batismal que sobressai. Como afirmou o teólogo Dario Vitali, coordenador dos peritos teólogos do Sínodo, numa das Congregações Gerais: “antes das funções vem a dignidade dos batizados; antes das diferenças, que estabelecem as hierarquias, está a igualdade dos filhos de Deus. O maior título de pertença à Igreja não é ser papa, nem bispo, nem padre, nem consagrado, mas filho de Deus”. 

Por isso, mais do que um novo rosto da Igreja, talvez possamos dizer que este é o rosto da Igreja, sempre visível, mas nem sempre devidamente reconhecido. Já sobre o acompanhamento dos media, que não foi muito do agrado dos órgãos de comunicação social, o que é compreensível, surpreende o facto dos participantes terem genericamente respeitado o pedido de “jejum mediático” do santo Padre. 

Para o Papa Francisco o Sínodo tem um só protagonista, o protagonista, que é o Espírito Santo. E queria evitar que subissem ao palco mediático outros protagonistas com as suas agendas, o que é totalmente contrário ao espírito sinodal. A Comissão de Informação teve um especial cuidado nisso, nas escolha das pessoas para os briefings da Sala Stampa.

A Carta ao Povo de Deus diz que foi utilizado o “método do diálogo no Espírito”. Discernimento pode ser umas das palavras-chave para esta e para a próxima etapa? 

Discernimento é, no meu entender, a palavra-chave do pontificado do Papa Francisco, não fosse ele um cristão. O discernimento é profundamente evangélico. Jesus passava vigílias em oração para realizar a vontade do Pai, podemos dizer, usando termos inacianos, que Jesus orava para procurar, encontrar e eleger a vontade de Deus. Veja-se o momento mais dramático e de crise da história da humanidade, em que Jesus rezou “Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice. No entanto, não seja como Eu quero, mas como Tu queres” (Mt 26, 39). 

Neste sínodo sobre a sinodalidade, um dos grande frutos da primeira fase, e confirmado nas fases sucessivas e durante este mês, foi o da conversação no Espírito, como método para realizar o discernimento comunitário. Quando reunimos em Conselho Pastoral Paroquial, em Conselho Pastoral Arquidiocesano, em Conselho Presbiteral, em Conselho Económico, ou qualquer outro Conselho em âmbito eclesial, devíamos ter sempre presente que não estamos reunidos para pôr em prática a nossa agenda, mas sim a agenda do Espírito Santo. A conversação no Espírito é altamente recomendável para o discernimento comunitário, e o processo sinodal tem sido laboratório e confirmação desse método.

Como poderia descrever o papel do Papa Francisco?

A minha participação neste sínodo e o caminho que tenho vindo a percorrer, desde outubro de 2021, tem me feito compreender e experimentar o que significa a expressão latina cum Petro et sub Petro, ou seja, em união com o Papa e sujeitos à sua autoridade. 

No Sínodo, na Aula Paulo VI, quando o Papa Francisco estava presente, em quase todas as Congregações gerais, todos reconheciam que estava ali Pedro. Não há outro caminho em Igreja além do agir sempre cum Petro et sub Petro. Quem for por outro caminho dispersa e tresmalha-se.  

Quanto à relação connosco, no decorrer dos trabalhos, é a relação de um pai com os filhos. Presente, disponível, atento e cristalino como a água quando interveio.

A busca pelo diálogo, a presença dos representantes de outras religiões, leigos… abriu espaço para que as opiniões/posições diferentes pudessem ter espaço real?

Nesta Assembleia Sinodal não estavam presentes representantes de outras religiões, mas sim doze representantes de outras Igrejas e comunidades cristãs. O que não significa que não possa vir a acontecer na segunda sessão de outubro de 2024. O Sínodo é um processo dinâmico e aberto, por isso não me admiraria que isso viesse a acontecer. 

Desde a primeira hora, isto é, desde a abertura do Sínodo (outubro de 2021), o Secretário-Geral do Sínodo, o cardeal Mario Grech, e o presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o cardeal Kurt Koch, estão empenhados em garantir a dimensão ecuménica no caminho sinodal. Esta participação de membros de outras Igrejas e comunidades cristãs nesta primeira sessão abriu novos horizontes no diálogo ecuménico.

Como foi o ambiente, no decorrer deste mês, para os participantes?

O que se passou concretamente nos círculos menores apenas tive conhecimento por via indireta. Podendo estar na sala e vendo o que se estava a passar à minha volta, não estava a ouvir o que estava a ser dito. Mas entre uma paragem para o café, o que era dito nas Congregações gerais, posso dizer que sempre foi um ambiente sereno. 

Com o decorrer o tempo era mais evidente a descontração, o ‘à vontade’, até chegarmos ao dia da votação do relatório de síntese com uma alegria que era sentida por todos na sala. 

É curiosa a expressão que um dos bispos confidenciou ao cardeal Mario Grech e que este, por sua vez, no último briefing — logo após a votação do relatório de síntese—, na Sala Stampa, partilhou com os jornalistas: "Disse-me: 'Vi o gelo a derreter. Nas mesas, as pessoas derretiam lentamente'". Pequenas inconfidências que ajudam a perceber o ambiente no último dia. Partilhava-se chocolates, partilhava-se limoncello e outros licores. Estávamos entre amigos. Assim cumpria-se o que o padre dominicano Timothy Radcliffe tinha pedido no retiro que precedeu a assembleia: “a base de tudo o que faremos neste sínodo deve ser as amizades que construímos. Não parece demasiado. Não dará origem a grandes manchetes nos media. ‘Eles vieram até Roma para fazer amigos! Que desperdício!’. Mas é através da amizade que fazemos a transição do ‘eu’ para o ‘nós’ (IL A. 1.25). Sem ela não conseguiremos nada”.

De que forma os conflitos por todo o mundo, em especial agora no Oriente Médio, afetaram a assembleia?

Pe. Paulo  - Muitos(as) se interrogaram sobre o que significa celebrar um sínodo sobre a sinodalidade em tempos de guerra. Houve vários tipos de respostas. Aquelas que estão ao alcance do comum dos crentes, mas que podem mudar o curso da história. Refiro-me ao jejum, à oração, à penitência. Mas há uma mensagem muito expressiva que o Sínodo enviou em palavras e gestos, e que foi muito bem descrita por Andrea Tornielli, num editorial do Vatican News: “a Igreja sinodal, na qual o Papa Francisco insiste, hoje representa uma pequena semente de esperança: ainda é possível dialogar, acolher o outro, deixando de lado o protagonismo do próprio ego para superar as polarizações a fim de chegar a um consenso amplamente compartilhado”. O Sínodo, nas palavras de Tornielli, foi “uma pequena luz na hora escura do mundo”.

Qual é o caminho a ser trabalhado nas comunidades para este período transitório? 

Aguardemos, antes de mais, as indicações que serão dadas pela Secretaria Geral do Sínodo às Conferências Episcopais de todo o mundo. Entretanto, o Relatório de síntese já está disponível para quem o quiser ler e até começar a trabalhar a partir dele. 

O modus operandi da Secretaria tem sido o de dar muita liberdade, apelando mesmo à criatividade, às Igrejas locais. Pessoalmente, penso que este é o tempo favorável para um maior empenho dos teólogos, dos canonistas, dos historiadores da Igreja, dos biblistas, para produzirem reflexão sobre as questões em aberto presentes no relatório de síntese e que necessitam de um maior aprofundamento. 

O relatório de síntese espera muito das faculdades de teologia, penso mesmo que envia uma mensagem — quase explicita — “não há temas tabus. Estudem, investiguem, publiquem, ajudem-nos a discernir”