Arquidiocese de Braga -
23 maio 2022
Dia Mundial das Comunicações Sociais: perspectivas Africanas
DACS com La Croix International
Destacar áreas cinzentas da mensagem para a Igreja na África.
O evento que acontece a 29 de Maio convida os fiéis a reflectirem sobre o valor da escuta activa.
Ao notar que a palavra “escutar” se tornou “decisiva na gramática da comunicação e condição para um autêntico diálogo”, o Papa chamou a nossa atenção para a importância da escuta nas relações quotidianas e nos debates civis.
Apesar disso, afirmou que “através dos vários podcasts e mensagens de áudio”, a escuta está a passar por um novo desenvolvimento no campo da comunicação e da informação.
Este artigo destaca as áreas cinzentas da mensagem para a Igreja em África.
Escutar com o coração: algumas considerações bíblicas
Desde o “Shema’ – Escuta, Israel!” (Dt 6,4) até ao ensinamento de São Paulo de que “a fé vem da escuta" (cf. Rm 10,17), Deus primeiro tomou a iniciativa de falar connosco.
Como um recém-nascido responde à voz dos seus pais, Deus espera que Lhe respondamos através de uma escuta activa. Dos cinco sentidos, a escuta parece ser a mais favorecida por Deus.
Isto porque nos torna mais livres. A partir do relato da criação, a escuta torna-nos parceiros activos de Deus no diálogo.
Infelizmente, os seres humanos muitas vezes viram as costas a Deus. Recusam-se a ouvir. Por exemplo, os ouvintes de Estêvão taparam os ouvidos (cf. At 7, 57) porque não queriam ouvi-lo. Como “no fundo, a escuta é uma dimensão do amor”, Deus revela-Se ao comunicar-se livremente connosco “numa aliança de amor”. Ao afirmar: “Vede, pois, como ouvis” (Lc 8,18), Jesus convida os seus discípulos a “verificar a qualidade da sua escuta”.
Além disso, na Parábola do Semeador, Jesus convida os seus seguidores a dar frutos (cf. Lc 8,15). Como tal, “só prestando atenção a quem ouvimos, àquilo que ouvimos e ao modo como ouvimos é que podemos crescer na arte de comunicar…”.
Este é um sinal de abertura a Deus (cf. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 171.) Lamentavelmente, a maioria de nós tem ouvidos, mas experimentamos uma surdez interior que é pior do que a surdez física. De facto, “ouvir diz respeito à pessoa como um todo”. Não é de admirar que o rei Salomão tenha pedido a Deus um “coração cheio de entendimento” (cf. 1 Reis 3, 9). Enquanto Santo Agostinho defendeu a escuta com o coração (corde audire), São Francisco de Assis exortou os seus irmãos a “inclinar o ouvido do coração”.
Como tal, a verdadeira comunicação envolve ouvir. Isso ajuda-nos a redescobrir-nos, às nossas necessidades mais verdadeiras, às dos outros e à nossa união com Deus.
A boa comunicação como fruto da escuta activa
Não devemos confundir escuta com bisbilhotice e com espiar. Ocasionada pela era das redes sociais, espiar implica “instrumentalizar os outros para os nossos próprios interesses”.
Portanto, “aquilo que torna boa e plenamente humana a comunicação é precisamente a escuta de quem está à nossa frente, face a face, a escuta do outro abeirando-nos dele com abertura leal, confiante e honesta”.
Infelizmente, às vezes, “falamos pelos cotovelos”. Isso é atribuído à nossa incapacidade de ver o bem nos outros.
Por assim dizer, “a boa comunicação... não procura prender a atenção do público com a piada foleira visando ridicularizar o interlocutor”.
Pelo contrário, “presta atenção às razões do outro e procura fazer compreender a complexidade da realidade”. Mesmo na Igreja, oposições estéreis ocorrem quando a escuta desaparece: devemos evitar impor os nossos pontos de vista aos outros. Em vez disso, devemos “sair” e alcançar a outra pessoa. Ouvir é “o primeiro e indispensável ingrediente do diálogo e da boa comunicação”. Faz com que a comunicação seja possível.
Isto é necessário para o bom jornalismo: “Para fornecer uma informação sólida, equilibrada e completa, é necessário ter escutado prolongadamente. Para narrar um acontecimento ou descrever uma realidade numa reportagem, é essencial ter sabido escutar, prontos mesmo a mudar de ideia, a modificar as próprias hipóteses iniciais”.
A verdadeira comunicação e a escuta acontecem onde várias vozes trabalham em direcção à sinfonia. Recordemos as palavras graciosas do grande diplomata da Santa Sé, Cardeal Agostino Casaroli, “martírio da paciência” – esta é uma receita para escutar diante dos conflitos.
Escutar requer paciência e verdade. Devemos aprender com a curiosidade indefinida de uma criança “que olha para o mundo ao seu redor com os olhos bem abertos”.
Embora a actual pandemia tenha trazido a “infodemia” que levou à desconfiança das informações oficiais, escutarcom o ouvido do coração pode trazer transparência.
Diante das migrações forçadas, os migrantes são vistos como invasores perigosos. Os seus “rostos e histórias, olhares, expectativas e sofrimentos” não são considerados.
Uma Igreja que escuta: passos práticos para a Igreja em África
Em primeiro lugar, somos incumbidos de abraçar o Apostolado da Escuta. No meio de inúmeros refugiados, pessoas deslocadas internamente, crianças doentes e desnutridas, a Igreja em África deve usar o processo sinodal em curso para ajudar vários grupos vulneráveis, ouvindo a sua situação para fazê-los sentir-se em casa.
Em segundo lugar, o Papa encoraja-nos a impor uma maior comunhão. A comunhão na Igreja deve ser vista em termos de implementação de melhores estratégias, baseadas na escuta mútua e na fraternidade, o que tornaria mais ricas paróquias, dioceses e arquidioceses no auxílio aos mais pobres. Além disso, várias políticas nacionais de migração deveriam ter um rosto humano. Isso reduziria a pobreza extrema e a desigualdade.
Terceiro, o Papa quer que garantamos uma maior sinergia. Da mesma forma, como um coro que se vale de uma variedade de vozes para formar uma sinfonia, várias direcções de comunicação social a nível arquidiocesano e diocesano devem garantir a sinergia entre todos os órgãos da Igreja. Isto pode ser alcançado através da consciencialização sobre sinergia durante o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais.
Quarto, o Papa Francisco lembra-nos sempre de confiarmos no Espírito Santo. Podemos ainda aperfeiçoar a Comunhão na Igreja se “cada pessoa for capaz de cantar com a sua própria voz, acolhendo as vozes dos outros como um dom para manifestar a harmonia do todo que o Espírito Santo compõe”.
Quinto, a Mensagem para o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais exorta-nos a sermos vigilantes contra a infodemia. Tanto os média seculares, quanto a da Igreja, devem evitar a falsificação de informações oficiais e garantir a credibilidade da reportagem. Por exemplo, nas suas histórias, os refugiados não devem ser descritos em termos de número ou invasores perigosos, mas como “homens e mulheres reais a serem ouvidos”.
Concluindo, ao celebrarmos este 56º Dia, cada um de nós é convidado a cantar “enquanto escutamos as outras vozes e em relação à harmonia do todo”.
O Papa insiste que “a escuta ainda é essencial na comunicação humana”.
Como tal, desafiou “pais e professores, pastores e agentes pastorais, profissionais de comunicação e outros que prestam serviço social ou político” a cumprirem as suas responsabilidades de educadores e formadores, consolidando o papel comunicativo da escuta activa.
Isto só pode ser alcançado se confiarmos no Espírito Santo!
Artigo do Pe. Justine John Dyikuk, publicado no La Croix International a 23 de Maio de 2022.
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