Arquidiocese de Braga -
24 novembro 2025
Duarte Rosado: “A missão da Igreja não é a autopreservação, mas a evangelização”
Rede Sinodal
O sacerdote jesuíta e músico diz que é importante “não ter medo de abrir ao Espirito” e que a “experiência de beleza” pode ser “comunitária, pessoal, de fé e de Deus”. É o episódio 10 do “No coração da esperança”
“No coração da esperança” é o nome da iniciativa em podcast da Rede Sinodal em Portugal. Apresentamos aqui o episódio numero 10 de uma parceria inovadora de comunicação que faz caminhar em conjunto Diário do Minho, Voz Portucalense, Correio do Vouga, Correio de Coimbra, A Guarda, 7Margens, Rede Mundial de Oração do Papa e Folha do Domingo.
Desta vez o entrevistado é o padre Duarte Rosado, promotor vocacional da Companhia de Jesus em Portugal. É músico e talvez influenciado pelos seus estudos bíblicos em Roma, lançou um disco com canções inspiradas em textos do Antigo Testamento. O nome do trabalho é “Um grito chamado Isaías”, que dá base ao concerto-oração “Isaías e a fragilidade”.
O sacerdote jesuíta apresenta a sua reflexão sobre o processo sinodal iniciado pelo Papa Francisco, que entra agora na fase de implementação global com o Papa Leão XIV.
Duarte Rosado salienta que devemos “deixar o Espírito falar”. Algo que nos poderá levar a “lugares inesperados”. Sublinha que a “experiência de beleza” pode ser um desses lugares, vivida em modo de “experiência comunitária e pessoal, de fé e de Deus”.
“Uma experiência profundamente espiritual” que pode ajudar “não só a esta conversão de que se fala das relações”, mas também pode ser “uma maneira de transmitir conteúdo através da arte”. “E eu acho isso pessoalmente bom”, afirma o sacerdote. E “a arte” pode ser “um veículo” para “falar de Deus”, declara.
O padre Duarte Rosado considera ainda que nós “temos alguma dificuldade em habitar a tensão, e habitar as perguntas”, mas sublinha que estas “vão-se respondendo”, na medida em que formos “vivendo a resposta”.
São estas as suas respostas à Rede Sinodal em Portugal:
Que leitura faz do documento "Pistas para a implementação do Sínodo" publicado pela Secretaria Geral do Sínodo?
Eu li sobretudo este documento com imensa esperança naquilo que está a acontecer na Igreja, naquilo que desde o Concílio Vaticano II vem sendo posto em prática, ou procurado... Enfim, a receção do Concílio é sempre muito demorada, mas eu acho que isto é um passo extremamente significativo nessa implementação, digamos assim. E acho que não é atrasado, dizer que o Concílio foi há cinquenta anos, porque eu acho que estamos muito a tempo ainda. Porque a receção do Concílio, de facto, é muito, muito, muito demorada.
Gosto que a perspetiva eclesiológica seja clara, muito precisa. E nós precisamos disto. Nós não podemos ter visões da Igreja tão díspares, que não se possam harmonizar minimamente. E, portanto, a perspetiva eclesiológica ser aquela do Concílio Vaticano II como Igreja, como mistério e como povo de Deus em caminho, eu acho que isto é fulcral. Fulcral mesmo.
Parece-me que isto ser um documento que parte de uma experiência e não de uma série de métodos e técnicas, isto é muito bonito. Porque não está feito à partida, o caminho. Nós estamos verdadeiramente a fazer o caminho. Partir da experiência, avaliar essa experiência e continuar a crescer. Parece-me importantíssimo que se escute toda a gente, e se oiça toda a gente, e que não fique um documento, ou seja, que não fique uma iniciativa que fique no papel. Nós, de reflexão, já temos muita. Temos muitos anos de reflexão. Temos muita coisa para trás das costas, muita história. O que nós precisamos é de começar a pôr em prática. Ainda que o caminho não seja claro, ainda que não esteja tudo estabelecido à partida. E eu acho isto muito bonito. E a leitura é muito esperançosa por causa disto, sobretudo por causa destes aspetos.
Então, uma coisa que também me parece muito clara neste documento, e que eu prezo muito, é que a missão é clara. A missão da Igreja é de evangelização, é falar de Cristo. É de dar espaço ao Espírito no seu seio. A missão da Igreja não é a autopreservação, mas a evangelização. E isso é muito claro, porque as linhas de força, os critérios, o objetivo, é a missão da Igreja de evangelização e não a autopreservação. A Igreja vai continuar no mundo, e essa é a promessa também de Cristo. Mas a Igreja vai continuar no mundo, na medida em que põe em prática a sua missão. Não pela sua preocupação de autopreservação. É muito bom isto estar escrito. Porque às vezes acho que podemos enredar-nos em preocupações, em criar aqui uma segurança qualquer. Mas a segurança não está na nossa preocupação, nas coisas que nós possamos fazer. A segurança está na medida em que confiamos no Espírito, em Cristo.
Qual a importância do método sinodal para este momento histórico da Igreja e do mundo?
Eu acho que é importante em várias medidas este método. É importante porque me parece ser fiel à Igreja. Ao ser fiel à Igreja, ser fiel ao Espírito. Porque a Igreja, de facto, já funcionou assim, ou mais assim, noutros tempos. E ser fiel ao Espírito, porque de facto é uma abertura. E não ter medo de abrir ao Espírito. E há uma frase, particularmente, no documento que é claríssima em relação a isto, em deixar o Espírito falar. E isto pode-nos levar a lugares insuspeitos e lugares inesperados. E eu acho isso pessoalmente bom. Altamente inseguro, um risco gigante, mas é a única maneira de… É assim que trabalhamos.
Parece-me que neste tempo que corremos, acho que é responder aos sinais dos tempos, é responder a uma cultura, e é responder a um mundo que, de facto, exige abertura, exige transparência, exige que toda a gente tenha voz. Não tenho qualquer dúvida em relação a isto, que é uma resposta aos sinais dos tempos. A resposta não é de fechamento, porque seria uma tendência. Ou seja, existe não tanto uma oposição, mas bastante indiferença. A Igreja perdeu alguma relevância social, digamos assim. Deixou de ser relevante. E parece-me que este método não é trazer relevância à Igreja, mas é perceber de que forma é que a Igreja pode responder a um mundo que é indiferente. Que é, às vezes até, contra, pela carga histórica que a Igreja tem, etc.
A partir também da sua sensibilidade de músico, que caminhos de implementação do Sínodo poderiam ser percorridos em Portugal?
Eu não falo só a partir da música. Acho que se fala a partir de um ponto de vista da arte, porque a música é uma das expressões. Eu falo até quase do que está... Quase da base. Parece-me que é neste momento o mais importante. Mais do que o produto final, é mais a atitude que está por detrás da criação artística, ou da arte.
Nós temos alguma dificuldade em habitar a tensão, e habitar as perguntas. Temos alguma dificuldade em relação a isto. A tendência é para uma certa segurança, em ter as coisas garantidas, as respostas todas, etc. Eu acho que a vida não funciona assim. E se a vida não funciona assim, a fé não funciona assim, e a Igreja não funciona assim. No tempo em que estamos não funciona assim.
O que é que me parece que a arte faz de uma maneira excecional: Ensinar-nos a habitar as tensões e as perguntas sem ter a pressa de as resolver, ou seja, sem querer resolvê-las à pressa. Porque a arte põe-nos diante do mistério. Sem o querer escangalhar, sem o querer abrir, sem o querer, com um bisturi, dissecá-lo. Mas vivê-lo, viver isso. E põe-nos diante da pergunta, sem a querer responder à pressa. As perguntas vão-se respondendo, vai-se vivendo a resposta, e não se vai respondendo à pergunta como nós estamos habituados à nossa mentalidade, meia técnica, meia eficaz ou eficiente, vai querer responder.
Para além disso, a arte também nos põe diante da beleza, do belo. E a experiência de fé, e a experiência de Igreja, deveria ser, ou é, pelo menos implicitamente, uma experiência do belo. Uma experiência de beleza. Portanto, a arte é como uma porta de entrada. Não estou a dizer que a arte, que experimentar a arte é já a fé. Pode ser para quem é crente. Mas para quem não é pode ser sobretudo uma porta de entrada muito, muito grande.
Na perspetiva sinodal, isto é muito importante. Porque me parece que o Sínodo também poderia encontrar caminhos, obviamente, de habitar a tensão e as perguntas. E é uma coisa que está clara também nos documentos, habitar a tensão, ensinar a habitar a tensão e as perguntas. E, sobretudo, a experiência de beleza poder ser uma experiência comunitária e pessoal, de fé e de Deus. É uma experiência profundamente espiritual que poderia ajudar não só a esta conversão de que se fala das relações, e de uma conversão espiritual também, mas também até uma maneira de transmitir conteúdo através da arte. De poder ser um veículo de falar de Deus. Não como a teologia fala, não como a espiritualidade, por si, a fala. Não como a liturgia fala, mas de uma maneira nova, e a meu ver até pouco explorada, pelo menos em Portugal. Assim ainda pouco explorada a questão da beleza, e de como se pode usar a beleza como veículo, e como porta de entrada e até como veículo de fé.
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