Arquidiocese de Braga -

25 dezembro 2025

A vida não espera

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Homilia do Arcebispo, D. José Cordeiro, na Missa da noite de 25 de dezembro de 2025, na Sé de Braga

1. Pastores do Cordeiro

Na escuridão e no silêncio da noite, juntamo-nos à volta do altar, para celebrar o nascimento de Cristo. Atentemos no anúncio do Anjo aos pastores: “nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura”.

Sendo os pastores da região da Judeia estariam familiarizados com a promessa do nascimento do Messias, o Cristo, da descendência de David. Contudo, no tempo de Jesus, os pastores não faziam parte da elite da sociedade judaica, pelo que poderia soar-lhes estranho que o Anjo se lhes dirigisse a eles e não aos escribas ou sacerdotes do templo de Jerusalém. Além disso, conhecendo a expetativa messiânica do povo Judeu, e a sua ânsia pela vinda do Messias que os iria libertar do jugo romano, estariam os pastores à espera de ouvir que o sinal para reconhecer o Messias era um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura? Há um contrassenso em imaginar que uma figura de poder coincida com um recém-nascido, ainda por cima um que nem uma casa conseguiu arranjar para nascer, vindo ao mundo num estábulo.

2. Um grande sinal

Sim, este Menino envolto em panos e deitado na manjedoura é, afinal, um grande sinal. É sinal deste Deus que vem ao encontro da humanidade para lhe oferecer a salvação; um Deus que vem sem se impor, e muito menos sem recorrer à força das armas, do dinheiro ou da astúcia, como tantas vezes nós achamos que temos de nos impor sobre os outros. 

É no sinal da fragilidade de um recém-nascido e num cenário de simplicidade e de total despojamento que Deus vem ao mundo, mostrando ser um outro tipo de Messias: Aquele que vem para servir, que vem para conquistar o coração de cada ser humano através do imenso amor que tem por cada um de nós. Um Deus que vem não para nos dominar, mas para nos dizer que somos filhos, filhos amados e perdoados, filhos chamados a partilhar a vida divina: faz-se Homem, para que o Homem se torne Deus (Cf. Sto. Ireneu).

É na fragilidade da carne humana que Deus escolhe realizar o auge da história da salvação. Poderia ter vindo de modo espetacular, mas prefere submeter-se aos limites da condição humana, sujeitando-se à alegria e à tristeza; à dor e ao sofrimento; à sede e à fome; à dependência dos cuidados de um pai e de uma mãe; a aprender a falar, ler e escrever; ao frio e ao calor; em suma: em tudo igual a nós, exceto no pecado. 

3. Gestos de amor

Num tempo em que através do recurso a novas tecnologias como a inteligência artificial, tantas pessoas querem superar os limites inerentes à condição humana, inclusive superar a morte, somos chamados, enquanto cristãos, a proclamar o nascimento do Verbo de Deus em carne humana, e que é na relação tu a tu, olhos nos olhos, que a humanidade pode realizar o desígnio para o qual foi criada: a santidade, a fraternidade e a verdade da vida em Deus e com Deus. 

Não precisamos de superar esta vida, porque mesmo nas circunstâncias mais difíceis, esta vida é vida abençoada, e faz parte de uma vida maior: é dom de Deus, por isso Dele viemos e para Ele peregrinamos, não sozinhos mas com Ele e n’Ele, que no seu Filho, que partilha a nossa humanidade, nos tem guardados no seu coração. 

A vida não espera e cada gesto de amor é decisivo. Na complexidade do tempo que nos toca viver, o mistério da Luz alegra a nossa viagem de fé, esperança e caridade. O mapa do caminho indica: arder para iluminar o mundo; educar para a paz; humanizar a “inteligência artificial” com uma inteligência espiritual, social e ecológica; proximidade com os pobres, os doentes, os presos, os migrantes, os idosos; enxugar lágrimas; trocar sorrisos; oferecer um “sim” criativo no serviço a todos, nomeadamente aos mais vulneráveis.

 

Um santo e fecundo Natal para todos.

O Senhor vos abençoe e vos guarde.

 

 

+ José Manuel Cordeiro

Arcebispo Metropolita de Braga